Artigo
2021 E As Próximas Décadas: O Grande Reinício
mercado para resultados mais justos, o segundo discute sobre a garantia de que os investimentos promovam objetivos compartilhados, como igualdade e sustentabilidade e o terceiro tem como objetivo aproveitar as inovações da Quarta Revolução Industrial para apoiar o bem público, especialmente no que toca os desafios sociais e de saúde. Seguindo essas reflexões, a edição de outubro de 2020 da Revista TIME, em parceria com o Fórum Econômico Mundial, u uma série de textos com reflexões de alguns pensadores que compartilharam ideias sobre como transformar a maneira como vivemos e trabalhamos. São temas centrais, que hoje, nos parecem apenas utopias, porém, nosso “tópos” (em grego lugar) do futuro depende de nossas decisões hoje.
Um dos temas centrais é reimaginar o capitalismo e criar um novo tipo de economia. No texto de Klaus Schwab para a revista, o presidente do FEM, reflete sobre como os avanços tecnológicos costumam ocorrer em uma economia monopolizada e são usados apenas para priorizar os lucros de uma empresa sobre o progresso social. Segundo ele, o mesmo sistema econômico que criou tanta prosperidade na era de ouro do capitalismo americano nas décadas de 1950 e 1960, está agora criando desigualdade e mudanças climáticas. E o mesmo sistema político que permitiu nosso progresso global e democracia após a Segunda Guerra Mundial, agora contribui para a discórdia e o descontentamento da sociedade. Mas, a pandemia abriu uma nova janela e jogou luz sobre esse tema com colaborações multinacionais envolvendo os setores público e privado, como pé o caso da AstraZeneca com a Universidade de Oxford, no Reino Unido ou de empresas como a Unilever que abordaram a plataforma de ação COVID do Fórum Econômico Mundial com ofertas para fornecer produtos de higiene, ventiladores ou simplesmente ajuda logística. Houve também uma forte cooperação entre governos e empresas, para garantir os fundos necessários para o desenvolvimento e distribuição de vacinas. De acordo com Schwab, um novo sistema não é utopia, mas demanda que líderes se façam perguntas como: Qual é a disparidade salarial entre homens e mulheres na empresa X? Quantas pessoas de origens diversas foram contratadas e promovidas? Qual o progresso que a empresa X fez para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa? Quanto a empresa X pagou em impostos globalmente e por jurisdição? E o que a empresa X fez para contratar e treinar funcionários?
Darren Walker, presidente da Fundação Ford. (Crédito: Guerin Blask para The New York Times)
Outra pauta importante, foi tocada pelo presidente da Fundação Ford, Darren Walker, com a questão da desigualdade racial. O episódio de George Floyd, nos EUA, acordou CEOs e organizações para a insustentabilidade da injustiça e da discriminação racial. Para começar a mudança, ele propõe um reconhecimento de que “a equidade exige que priorizemos as necessidades e aspirações daquelas comunidades que historicamente foram deixadas de fora”. De forma bem prática, Walker lista 9 atitudes que podem fazer a diferença. Entre elas, um chamado para a liderança, já que mudanças estruturais começam no topo, como também certificar-se que as empresas tenham membros negros no conselho, que existam executivos negros na equipe de liderança e que eles tenham real poder para recomendar mudanças que tornariam uma empresa mais equitativa racialmente. É um começo. Outra recomendação é com relação as contratações. Novamente aqui, os líderes de grandes corporações, são os grandes agentes de mudança e teriam o poder de transformar vidas imediatamente, simplesmente contratando e promovendo mais negros. Segundo Walker, testes cegos mostram que quando currículos idênticos são enviados para o mesmo trabalho – um com um nome que parece branco, o outro com um nome que parece negro – o candidato branco recebe um retorno de chamada 50% mais vezes. Outra proposta em tom provocação é uma chamada para que os “CEOs se olhem no espelho”. De acordo com o Economic Policy Institute, a remuneração dos CEOs cresceu 940% desde 1978, enquanto o salário do trabalhador médio aumentou apenas 12%. “A economia sofreria dano zero se os CEOs recebessem menos em vez de realizar doações que beneficiem causas raciais, seria melhor para a economia e para a igualdade racial se mais dessa generosidade fosse direcionada aos trabalhadores”, provoca Walker.
A fragmentação do ser humano com a natureza, na qual não nos enxergamos como parte da natureza, retirando recursos da mãe terra em uma dinâmica nociva de “pego mas não reponho”, é talvez um dos grandes entraves de nosso futuro como espécie. A transição energética para uma economia de baixo carbono também aparece como tema central da redefinição do futuro. “Temos apenas um planeta e sabemos que as mudanças climáticas podem ser o próximo desastre global, com consequências ainda mais dramáticas para a humanidade. Temos que descarbonizar a economia na curta janela que ainda resta e harmonizar nosso pensamento e comportamento com a natureza”, diz Schwab. Já a economista Kristalina Georgieva, economista ambiental, diretora do Fundo Monetário Internacional, aposta na equação de que o investimento em energia renovável, criaria mais empregos do que aqueles com energia baseada em combustíveis fósseis, portanto seria possível casar a missão de criar empregos e reduzir as emissões.
Kristalina Georgieva, economista ambiental e diretora do Fundo Monetário Internacional. (Crédito: Grant Ellis)
Sou uma grande otimista e gosto de pensar que seremos capazes de expandir nossas concepções do que é certo ou errado, rico ou pobre, escasso ou abundante, progresso e desenvolvimento. Como diria o autor da Teoria U, Otto Scharmer, com quem me identifico muito, a transição deve ser da conscientização egossistêmica para a conscientização ecossistêmica, que considera o bem-estar de todos. Afinal o prefixo eco, também presente em economia, vem do grego oikos, que quer dizer “a casa toda”. Somos 7 bilhões de pessoas, uma inteira humanidade afetada pela pandemia. É justamente nesse espaço de vulnerabilidade conjunta que, abre-se uma brecha para o futuro que desejamos viver. Em um recente encontro digital que participei, promovido pela School of Life, o filósofo e autor bestseller em mais de 20 países, Roman Krznaric, falava de seu mais novo livro The Good Ancestor: How to Think Long Term (O Bom Ancestral), que será do em março de 2021 no Brasil. Durante o papo no zoom, Roman nos interroga ”como podemos ser bons ancestrais e como gostaríamos de sermos lembrados por aqueles que ainda irão nascer no próximo século?”. Para mim, a pergunta está intimamente ligada ao grande reinício. Como uma das alternativas para re-ligarmos o sistema, o autor nos propõe sairmos da tirania do agora e criamos um mindset de legado e aprendermos o pensamento a longo o prazo, o chamado “pensamento catedral”. Ou seja, fazer planos para além da duração da vida humana. É só pensarmos em uma igreja que demora às vezes 400, 500 anos para ser construída ou na herança da vacina contra pólio que herdamos daqueles que vieram antes de nós.
Mariana Mazzucato é considerada uma das economistas mais influentes dos últimos anos. Professora de Economia da Inovação na University College London (UCL), e fundadora do Institute for Innovation and Public Purpose. (Crédito: Matt Holyoak)
E para terminar esse texto com um exercício futurista, cito Mariana Mazzucato, professora de Economia da Inovação na University College London, no Reino Unido, que em seu belíssimo artigo para a Time, imaginou o ano de 2023 e escreveu como se já estivéssemos lá. “E assim estaremos aqui, em 2023, as mesmas pessoas, mas em uma sociedade diferente. A COVID-19 nos convenceu de que não poderíamos voltar à normalidade. A COVID-19 tirou muito de nós, em vidas perdidas e meios de subsistência destruídos. Mas também nos deu a oportunidade de remodelar nossa economia global, e superamos nossa dor e trauma para nos unir e aproveitar o momento. Para garantir um futuro melhor para todos, era a única coisa a fazer”.
Portanto, convido você agora a fechar os olhos por alguns instantes, respirar profundamente e se conectar com o mundo daqui a 30 anos. O que você vê? Quais pegadas deixou? Qual legado? Agora, volte ao presente com essa sensação de ser ter sido um bom ou uma boa ancestral e responda a si mesmo: O que você pode fazer agora pelo futuro? Como você pode resetar o seu futuro e o futuro de seus ancestrais?
E então deixamos ir o passado e emergimos um futuro justo, equânime e sustentável…
Crédito da imagem da capa: TIME.
Fonte: https://ofuturodascoisas.com/2021-e-as-proximas-decadas-o-grande-reinicio/