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Artigo

A Complexidade Da Vida Nas Ruas
21/06/2019 Priscila Germosgeschi

 

PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA: A COMPLEXIDADE DA VIDA NAS RUAS

 
 
Foto: Pixabay
desigualdade social
 
Tanto em cidades grandes, conhecidas por ter grande população de moradores de rua, como em cidades pequenas, a situação de vida nas ruas da cidade é alarmante. Não um problema exclusivamente brasileiro, ele está presente no mundo todo. Vamos entender mais sobre essa condição, os fatores que o causam e como é o panorama brasileiro da população em situação de rua?
 

O QUE É A “SITUAÇÃO DE RUA”?

Pessoas que passam as noites dormindo nas ruas, sob marquises, em praças, embaixo de viadutos e pontes são consideradas pessoas em situação de rua. Além desses espaços, também são utilizados locais degradados, como prédios e casas abandonados e carcaças de veículos, que têm pouca ou nenhuma higiene. Os “moradores de rua” são um grupo heterogêneo, isto é, pessoas que vêm de diferentes vivências e que estão nessa situação pelas mais variadas razões. Há fatores, porém, que os unem: a falta de uma moradia fixa, de um lugar para dormir temporária ou permanentemente e vínculos familiares que foram interrompidos ou fragilizados. As características acima foram conceituadas em 2005 pelo Ministério do Desenvolvimento Social como os fatores intrínsecos à condição de rua e constam na Política Nacional para a População em Situação de Rua (decreto nº 7.053 de 2009), sobre a qual falaremos mais à frente.

QUAIS FATORES LEVAM À SITUAÇÃO DE RUA?

Quando falamos sobre pessoas, sabemos que há particularidades na condição de várias delas e cada uma pode ter tido um motivo particular para viver nas ruas; mas há também questões em comum entre essas pessoas, que são repetidamente vistas em muitos casos. Uma Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua foi realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social entre os anos de 2007 e 2008 com o objetivo de quantificar e qualificar todos esses fatores. Quanto aos motivos que levam as pessoas a morar nas ruas, os maiores são: alcoolismo e/ou uso de drogas (35,5%), perda de emprego (29,8%) e conflitos familiares (29,1%). Das pessoas entrevistadas, 71,3% citaram ao menos um dos três motivos e muitas vezes os relatos citam motivos que se correlacionam dentro da perda de emprego, uso de drogas e conflitos familiares. Apesar de não ser muito comum, existem pessoas que escolhem por viver nas ruas, também de acordo com a pesquisa. Embora os principais motivos sejam, por vezes, violências e abusos domésticos ou desentendimentos dentro da família, afirma-se que existe um grau de escolha própria para ir para a rua”. A explicação obtida na pesquisa é de que “essa escolha está relacionada a uma noção (ainda que vaga) de liberdade proporcionada pela rua, e acaba sendo um fator fundamental para explicar não apenas a saída de casa, mas também as razões da permanência na rua”.
 

QUEM SÃO OS MORADORES DE RUA NO BRASIL?

É importante ressaltar um ponto: é bastante difícil quantificar o número de pessoas nessa situação do Brasil, pois a maioria dos censos leva em conta o local de moradia das pessoas e as que estão em condição de rua não têm essa constância, o que atrapalha a realização de pesquisas, contabilizações e afins.
 
Saiba mais sobre direito à moradia neste conteúdo do Politize!. Com a Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, foi possível obter dados sobre essa população no país inteiro – e apesar de ser de 2008, é a pesquisa mais abrangente e completa que há até 2017, que leva em conta todo o país. Dessa forma, foi possível traçar um perfil das pessoas que vivem nas ruas: qual o seu gênero, sua idade, sua cor de pele, sua situação econômica…
 
Foto: Davidson Luna / Unplash

Perfil da população em situação de rua no Brasil

Gênero: O primeiro ponto a ser ressaltado: a imensa maioria de quem vive nas ruas são homens. Do total dessa população, 82% é masculina. De toda a população masculina, a maioria é jovem: 15,3% são homens na faixa etária dos 18 aos 25 anos. A faixa da idade com o maior número de homens em situação de rua é a dos 26 aos 35 anos, com 27,1%.
 
Já a população feminina representa os outros 18% do total de pessoas que vivem em situação de rua. A maioria das mulheres também é jovem e está nas ruas com idade menor do que a dos homens: 21,17% delas têm entre 18 e 25 anos e 31,06% têm entre 26 e 35 anos. Cor da pele: Quanto à cor de pele de todas as pessoas que vivem nas ruas, 39,1% se autodeclararam pardos na pesquisa; 29,5% se declararam brancos e 27,9% se declararam pretos. No censo do IBGE – que junta negros e pardos –, contabiliza a população brasileira em 53% de negros e 46% de brancos. Levando em conta a população em situação de rua, se formos usar o mesmo método, a representação negra é de 67% – bem mais alta que a sua representação na população brasileira.

COMO É A SITUAÇÃO DE RUA NO BRASIL?

Na pesquisa realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social, só foram consideradas as cidades com mais de 300 mil habitantes no país – não foram consideradas as cidades de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife – e o resultado foram de 31.722 pessoas em situação de rua nessas cidades. Quanto a esses dados, há que se considerar: os números não elucidam a realidade brasileira em termos de população de rua na sua totalidade, pois em cidades com população menor de 300 mil habitantes também há moradores de rua, além de que a pesquisa já está desatualizada por ter sido foi feita há dez anos. Por exemplo, na pesquisa de 2007 a cidade do Rio de Janeiro aparece com 4,5 mil pessoas em situação de rua; em 2017, a estimativa é de que haja 14,2 mil pessoas dormindo nas ruas da cidade – um aumento de 150% nos últimos três anos, de acordo com a Secretaria de Assistência Social da cidade. A situação de rua facilmente passa de temporária para permanente no Brasil. Quase metade da população de rua, 48,5%, está há mais de dois anos dormindo nas ruas ou em albergues. Além disso, um terço da população total (30%) está nessa condição há 5 anos. Ao contrário do que se pode acreditar no senso comum, a maioria dos moradores de rua são trabalhadores. Grande parte deles, 70,9%, exerce uma atividade com remuneração e 58,6% afirma ter alguma profissão, mesmo que fazendo parte da chamada “economia informal”, na qual não há um trabalho fixo, contratação oficial e carteira assinada. As atividades mais praticadas por eles são as de: catador de materiais recicláveis (27,5%), “flanelinha” (14,1%), trabalhos na construção civil, “pedreiro” (6,3%), entre outras.  
 
Foto: Luis Vaz / Unsplash
pessoas em situação de rua

Polêmicas sobre moradores de rua

Obviamente morar nas ruas não é uma condição fácil. Há que se lidar com uma série de questões inoportunas: violência, falta de saneamento básico e higiene, a falta de alimentação, a precariedade e o abandono de uma vida confortável em geral. Além disso, a falta do número de camas nos abrigos e albergues públicos – locais destinados a receber pessoas em condição de rua – é um problema crônico na maioria das cidades. Na cidade de São Paulo, a maior do país, havia 15.905 moradores de rua (no último censo realizado, em 2015). Pouco mais da metade deles (8.570 pessoas) estavam abrigadas, o equivalente a 54%. É importante frisar que, apesar de alguns moradores de rua optarem por não ir aos abrigos, é uma minoria.
 
Uma situação recorrente para pessoas em situação de rua é o despejo, seja de um prédio abandonado, seja de uma praça ou debaixo de uma marquise. Além disso, um problema  grave é o inverno rigoroso nas cidades: são muitos casos de moradores de rua que morrem por conta das ondas de frio. Na gestão de Fernando Haddad, houve também reclamações a respeito dos Guardas Municipais que confiscaram colchões e papelões dos moradores de rua que já estavam vulneráveis às baixas temperaturas. Algumas polêmicas também ocorreram na gestão de João Doria, por conta de empresas de limpeza das ruas terem jogado jatos de água nas pessoas que dormiam nas ruas em dias frios e seu despejo de alguns locais da cidade, como a Cracolândia.

QUAIS SÃO AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A SITUAÇÃO DE RUA NO BRASIL?

As políticas públicas são de responsabilidade do governo federal, dos estados e dos municípios brasileiros quanto à assistência social para a população em situação de rua no país. As garantias constitucionais de dignidade da pessoa humana e do direito à moradia já colocariam essa responsabilidade ao Estado, mas também foram feitas leis específicas para essa população.   A principal delas foi a Política Nacional para População em Situação de Rua, implementada em 2008, em que há uma série de determinações, como a capacitação de profissionais do direito, a oferta de serviços de assistência social, na inclusão da população na intermediação de empregos, na criação de alternativas de moradia, entre muitas outras. Salienta-se que o Governo Federal ajudará a financiar os projetos e serviços apenas em municípios com população superior a 100 mil habitantes ou municípios com mais 50 mil habitantes que integrem regiões metropolitanas. A situação dos moradores de rua no Rio de Janeiro, triplicou de 2014 a 2017 e há uma particularidade quanto a essa cidade: a Política Nacional para a População em Situação de Rua ainda não foi implementada. Exemplos de políticas públicas possíveis são o da cidade de São Paulo durante a gestão de Fernando Haddad. Em 2015 foi criado o Centro Público de Direitos Humanos e Economia Solidária, que visava a fomentar a criação de cooperativas de pessoas em situação de rua. Também foi criado o Programa Operação Trabalho PopRua, que visa a fornecer emprego à população de rua em que há um acompanhamento individual de cada participante. Por quatro horas de atividades diárias, os moradores de rua recebem uma bolsa de R$ 615,88 mensalmente. Algumas das atividades são: a criação de hortas e viveiros urbanos, oficinas sobre alimentação, cultura e direitos humanos, oficinas de fotografia, jardinagem, pintura de obras e eletricidade, em que algumas são “estágios” para cursos profissionalizantes, tais como jardinagem e eletricidade. Foram 243 pessoas em situação de rua que passaram pelo programa, de acordo com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC).

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