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A Pesquisa Científica No Brasil
Pesquisa não terá mais verba em 2019, diz CNPq
Para não cortar bolsas, o órgão terá de praticamente zerar investimentos em pesquisa
Por Herton Escobar, do Estadão Conteúdoaccess_time9 ago 2018, 11h34 - Publicado em 9 ago 2018, 11h27more_horiz
CNPq: o órgão paga atualmente cerca de 80 mil bolsistas, em sua maioria jovens pesquisadores que formam a base da pirâmide de ciência e tecnologia no Brasil (Spencer Platt/Getty Images)
São Paulo – O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) poderá perder mais um terço dos recursos em 2019, segundo a proposta orçamentária em discussão. Nesse caso, para não cortar bolsas, o órgão terá de praticamente zerar investimentos em pesquisa.
Pela proposta inicial, o orçamento do CNPq – principal agência de fomento à pesquisa científica no País – cairia de R$ 1,2 bilhão para R$ 800 milhões; uma redução de 33%. “É um valor inaceitável”, disse ao Estado, com exclusividade, o presidente do conselho, Mario Neto Borges. Só as bolsas atuais já custam mais do que isso: cerca de R$ 900 milhões. O CNPq paga atualmente cerca 80 mil bolsistas, em sua maioria jovens pesquisadores que formam a base da pirâmide de ciência e tecnologia no Brasil.
Diferentemente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – órgão do Ministério da Educação que financia a pós-graduação de forma geral e também alega não ter verba para suprir financiamentos em 2019 – o CNPq tem todas as bolsas atreladas a projetos de pesquisa.
A missão principal do conselho, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), é fomentar o desenvolvimento científico do País, ressalta Borges. Mas os cortes orçamentários dos últimos anos desidrataram o órgão de tal forma que só resta dinheiro para bolsas, e quase nada para auxílio à pesquisa.
No orçamento deste ano, R$ 900 milhões são para bolsas e R$ 300 milhões, para o financiamento de projetos. O órgão também recebe recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), mas são recursos sujeitos a contingenciamento.
Dois programas de importância estratégica para a ciência do País – já prejudicados fortemente pelos cortes orçamentários dos últimos anos – seriam diretamente afetados pela falta de recursos: o Edital Universal – voltado para jovens pesquisadores – e os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia.
“Confesso que estou perplexo”, disse o físico Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC). “É a política de terra arrasada. O orçamento deste ano já é terrível, e agora pode ficar ainda pior.”
Borges disse que continuará dando prioridade ao pagamento das bolsas, já que, além de dar suporte à pesquisa, elas são um fonte de sustento de milhares de estudantes.
Justificativa. O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão disse que os valores do orçamento ainda não estão fechados, e definiu apenas o montante total para cada pasta. “A partir disso, cada ministério tem autonomia para decidir como vai aplicar seus recursos.”
Nesse caso, quem responde pelo orçamento do CNPq é o MCTIC. A pasta de Ciência e Tecnologia, comandada pelo ministro Gilberto Kassab, disse que os valores previstos são “suficientes para o custeio de atividades”, mas não para a realização de investimentos.
Pesquisadoras brasileiras rifam iPhone para pagar viagem a congresso acadêmico nos EUA
Segundo a doutoranda Cecilia de Menezes, que concorre ao prêmio de melhor trabalho em evento internacional no Arizona, a combinação entre dólar alto e falta de financiamento à pesquisa fez com que ela e outras três pesquisadoras pedissem dinheiro pela internet.
Por Ana Carolina Moreno, G1
10/02/2019 05h00 Atualizado há 5 dias
Natalie Rolindo, Ana Paula Tessaro e Cecilia de Menezes são três das quatro pesquisadoras que decidiram rifar um iPhone para poder participar de congresso nos EUA — Foto: Arquivo pessoal
A pesquisadora fluminense Cecilia de Menezes, de 32 anos, foi selecionada para apresentar sua pesquisa inédita sobre o armazenamento seguro de rejeitos radioativos em um congresso nos Estados Unidos no início de março. Seu trabalho concorre ao prêmio de melhor projeto inscrito no WM Symposia, que começa no mês que vem em Phoenix, no Arizona. Mas, sem dinheiro suficiente para pagar pelas passagens aéreas nem ajuda de custo das agências de fomento, ela e três colegas também selecionadas decidiram rifar um iPhone 7 novo para pagar pela viagem.
(Atualização: Na tarde de terça-feira (12), as quatro pesquisadoras afirmaram que conseguiram bater a meta de doações para garantir a viagem de todas elas ao concurso, e encerraram a campanha de arrecadação.)
O sorteio do telefone será realizado no próximo sábado (16) e cada número da rifa custa R$ 25. Ao G1, a pesquisadora de Niterói (RJ) explicou que já vendeu cerca de 300 números, mas a ideia original, de vender 700 cotas para custear a viagem dela e de outras três pesquisadoras brasileiras, já foi parcialmente abandonada.
"Somos quatro brasileiras tentando ir. Duas delas já desistiram por conta do alto preço das passagens. Eu ainda não desisti", afirmou Cecilia de Menezes, que tem apenas 20 dias para conseguir os recursos e garantir a passagem.
As duas que acabaram desistindo são Ana Paula Tessaro e Natalie Rolindo. Elas já participaram do evento acadêmico em 2018 e, por isso, cederam sua parte da rifa para aumentar as chances de Cecilia e Naomi Watanabe, a quarta pesquisadora do grupo, conseguirem os cerca de R$ 6 mil de que cada uma precisa para a viagem, e poderem expor seu trabalho no evento internacional.
Para divulgar a rifa, elas criaram um folheto virtual. "Com R$ 25 você compra uma rifa, concorre a um iPhone 7 e ajuda no reconhecimento da ciência brasileira", escreveram elas (veja abaixo).
Sem verba para apresentar pesquisas em congresso internacional, pesquisadoras brasileiras decidem rifar iPhone para arrecadar dinheiro — Foto: Divulgação
Pesquisa para salvar vidas
Além de garantir uma vaga entre os melhores trabalhos inscritos no WM Symposia, a relevância do projeto de pesquisa de mestrado desenvolvido por Cecilia lhe abriu a oportunidade, ainda em estudo, de saltar direto para o doutorado do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo.
Com duas graduações – em relações internacionais pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e gestão ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) –, a pesquisadora decidiu unir as duas áreas para investigar e propor maneiras de, a longo prazo, garantir o armazenamento seguro de rejeitos radioativos não só no Brasil, mas em toda a América Latina.
Sem poder entrar em detalhes sobre sua pesquisa, que até o mês que vem se mantém inédita, ela explica que os rejeitos radioativos não são muito diferentes dos das barragens de rejeitos minerais em Mariana e Brumadinho. Mas, se o rompimento dessas duas barragens já foi capaz de provocar estragos ambientais e sociais até certo ponto irreversíveis, um acidente envolvendo material radioativo pode provocar uma devastação em escala ainda maior.
"Imagina se aquele rejeito mineral fosse todo rejeito radioativo? Iria ser catastrófico pra todo o país", explica ela, afirmando que, hoje, o continente latino-americano não tem um espaço seguro para depositar esse material.
Em 1987, tragédia com Césio 137 matou quatro pessoas e contaminou outras 249; até hoje, Brasil não tem repositório definitivo e seguro para armazenar esse e outros rejeitos radioativos — Foto: Reprodução/TV Globo
Rejeitos radioativos no Brasil
Em 1987, o Brasil foi vítima de um desastre desse tipo em Goiânia após dois catadores de recicláveis acharem um aparelho de radioterapia descartado de forma inadequada por uma clínica de radiologia, desmontarem o equipamento e vendê-lo a um ferro velho. O contato da população local com o Césio 137 que estava nele deixou quatro mortos e 249 contaminados.
Até hoje, mais de 31 anos depois, o governo local paga pensões especiais às vítimas do acidente que, no âmbito radioativo, foi o segundo pior da história mundial, perdendo apenas para o de Chernobyl, na Ucrânia.
Atualmente, Cecilia diz que o material radioativo recolhido após essa tragédia está armazenado em Abadia de Goiás.
Além disso, outros tipos de rejeitos radioativos são produzidos diariamente por diversos setores da sociedade, como nos hospitais, durante tratamento de câncer e aplicação de exames, e na indústria alimentícia, no processo de envasar bebidas em latas de alumínio. No passado, a pesquisadora diz que os para-raios instalados no topo de edifícios no Brasil também continham o material. Cecilia explica que os hospitais e clínicas são responsáveis pelo armazenamento de seus rejeitos, mas que a maior parte do resto do material produzido é encaminhado ao Ipen, onde ela faz sua pesquisa.
A cada dia o Ipen vê aumentar o acúmulo desse material contaminante, mas até hoje não existe um local seguro onde ele possa permanecer sem que se torne um perigo nas próximas décadas ou séculos.
"Meu estudo é sobre um repositório definitivo para rejeitos radioativos, de modo que eles fiquem em perfeito acondicionamento, sem prejudicar a população hoje e no futuro. Hoje, não temos local apropriado pra muitos tipos de rejeitos radioativos e esse problema não pode ser negligenciado."
Ela afirma que o controle da segurança desse repositório deve ser feito em nível institucional. "Eu estudo a estabilidade institucional a longo prazo, pois não temos a garantia de que nenhuma instituição brasileira consiga se manter estável por séculos, vide nossas turbulências políticas e econômicas. E qualquer instabilidade da instituição responsável por essa segurança poria em risco a sociedade."
A pesquisadora Cecilia de Menezes, de 32 anos, uniu suas graduações em relações internacionais e gestão ambiental em um projeto de pesquisa para garantir que rejeitos radioativos seram armazenados com segurança na América Latina — Foto: Arquivo pessoal/Cecilia de Menezes
Financiamento pela internet
Quando descobriram que seus trabalhos haviam sido selecionados para o evento nos Estados Unidos, Cecilia e as três colegas do Ipen foram atrás da viabilização da viagem. Com o dólar alto e as datas do evento coincidindo com o Carnaval no Brasil, a pesquisadora afirmou que, somando as passagens aéreas até Phoenix e o valor que elas devem carregar em dólares para que possam ter a entrada liberada nos Estados Unidos, cada uma precisa desembolsar cerca de R$ 6 mil. "Um aluno de mestrado no Ipen recebe bolsa de R$ 1.500. Porém, nem bolsa de pesquisa eu estou recebendo", afirmou a candidata ao doutorado direto.
Após uma tentativa frustrada de pedir ajuda de custo junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e de pedidos negados pelas companhias aéreas de desconto na passagem, Naomi, que havia comprado um iPhone novo e sem uso, teve a ideia de rifá-lo para arrecadar o dinheiro, e as demais toparam a empreitada de divulgar a campanha.
Até este sábado (9), a 20 dias da viagem, Cecilia diz que as vendas da rifa já foram suficientes para cobrir o custo do telefone e cerca de R$ 5 mil dos R$ 24 mil necessários para a participação das quatro brasileiras. Ana Paula e Natalie, então, desistiram da ideia de ir até o Arizona para que as outras tivessem maior chance de conseguir o custeio.
"Nunca imaginei que eu teria que pedir dinheiro pela internet pra conseguir representar o Brasil em um congresso desse porte", lamentou ela ao G1. "O Brasil tem essa cultura de não valorizar a ciência e a pesquisa, mas é daí que saem as melhores soluções pro dia-a-dia, às vezes soluções que podem salvar vidas."