Artigo
A Polarização Radical No Brasil
Política - a polarização radical no Brasil
Por Carolina Cunha, da Novelo Comunicação
Em 2016, durante as manifestações do Impeachment, pela primeira vez na história de Brasília (DF) um muro de metal dividiu ao meio a Esplanada dos Ministérios. Ele foi instalado para tentar manter a segurança de manifestantes de posições contrárias (pró e contra governo). A divisão em frente ao Congresso Nacional simbolizou a escalada das tensões, num muro que representava também a divisão ideológica do país.
Desde 2013 o país vive uma crise política marcada por momentos-chave: os protestos de junho de 2013, os panelaços antigoverno, o Impeachment de Dilma Rousseff (2016), a prisão do ex-presidente Lula (2018) e a greve dos camioneiros (2018). Muitas manifestações reverberaram o nível de descontentamento e frustração social de grande parte da população. De lá para a cá, a tensão política no Brasil aumentou progressivamente e atingiu um grau inédito em nossa história recente, que culminou com as eleições deste ano.
É natural da democracia a divergência de pensamentos entre grupos. A construção política representa uma constante rotina de discussão de ideias e diálogo com o outro. Mas num cenário de polarização radical, a tendência é que não exista espaço para o diálogo e a tolerância. As divergências se tornam hostis e os grupos podem ter “medo” do outro lado ou desenvolver um sentimento de raiva ou pânico. Muitas vezes, basta o outro ter um pensamento diferente para ser considerado inimigo.
Num cenário de intolerância, a reação do eleitor não é racional. Ela é movida pelo afeto e paixão. Essa intensidade emocional pode virar uma “paixão cega” e prejudicar o verdadeiro debate político, pautado por ideias e projetos em diferentes setores como educação, economia, moradia, saúde, transporte, entre outros. Assim, o debate político fica menos focado em propostas e mais propenso a ofensas pessoais, no ataque e difamação do oponente e na defesa cega do candidato (sem um olhar crítico). O resultado é o esvaziamento das pautas políticas.
Nos últimos anos, o aumento da tensão levou à prática do discurso de violência e ódio nas redes sociais e também nas ruas. Agressões verbais e físicas por motivações políticas têm sido constantes no noticiário. Há relatos de pessoas que brigaram com a família, que foram hostilizadas na rua, atacadas por vestirem camisetas associadas a partidos ou que tiveram carros quebrados em carreatas. E quando a intolerância atinge determinados níveis de intensidade, pode levar a graves atos de violência física e verbal.
Em setembro deste ano, o candidato de direita Jair Bolsonaro (PSL) foi esfaqueado durante um ato de campanha em Minas Gerais. O assunto também repercutiu nas redes, que foram dominadas por grupos que, de um lado, questionavam a veracidade do atentado e, do outro, demonstravam solidariedade a Bolsonaro e culpavam a esquerda pelo que havia acontecido.
No dia das eleições presidenciais de 2018, o artista Rosário da Costa, 63 anos, foi esfaqueado num bar de Salvador, em briga por discussão política. Segundo a família, ele acabou esfaqueado por outro morador da localidade após se mostrar contrário ao candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL). O réu confessou à polícia que o motivo do crime foi a divergência política.
O que levou a esse cenário?
Muitos motivos foram apontados como causas para o acirramento da opinião pública: a corrupção, a falta de representatividade política, a crise econômica (que provocou o desaceleramento da economia e o aumento do desemprego), a participação dos evangélicos na política nacional (que influenciam na pauta de debates morais), a disseminação de notícias falsas em massa e a própria radicalização dos discursos de políticos, como o de Jair Bolsonaro (PSL).
Um dos gatilhos para a polarização foi a recente crise política do Brasil. Com a Operação Lava-Jato, dezenas de políticos da base de governo foram presos ou acusados de corrupção. Surgiu em parte da sociedade um sentimento antipetista, no qual o partido que governou o país por quase 15 anos se viu atacado por novos grupos de oposição que clamam por mudanças. O impeachment da presidente Dilma Rousseff acirrou ainda mais o cenário.
Os partidos são responsáveis pela ligação entre o mundo político e a vida das pessoas. A desilusão com políticos leva a uma sensação de falta de representatividade, tanto no Executivo quanto no Legislativo. A descrença com as instituições políticas também aumenta a pressão sobre o ambiente de hostilidade.
A chamada crise de legitimidade na democracia representativa pode ser traduzida por cidadãos que se cansaram do sistema político e que não acreditam mais em seu funcionamento. São pessoas que já não se veem representadas pelos partidos e ou pelos políticos e por isso, buscam novos representantes ou novas maneiras de chegar ao poder.
Em 2017, uma pesquisa de opinião pública realizada pela FGV/DAPP observou um desencanto político que pode levar à descrença com o presente do país e também com o futuro. A pesquisa apontou que a insatisfação dos brasileiros no atual contexto se reflete numa falta de confiança generalizada no presidente (83%), nos políticos (78%) e nos partidos (78%), expressa em todas as regiões, faixas etárias e de renda. A consequência disso seria um aumento no processo de polarização da sociedade brasileira.
Fake news, perfis falsos e robôs
A internet também contribui para a divisão política. Os meios digitais têm sido um importante palco para campanhas eleitorais, já que se tornaram plataformas de acesso à informação política, discussão e mobilização. Mas a internet e as redes sociais como o Facebook e o WhatsApp podem ser um território livre para a manipulação, a desinformação e a disseminação de boatos.
A disseminação de notícias falsas, as chamadas Fake News, representam um grande desafio para a credibilidade do debate político. Durante as eleições de 2018, uma enxurrada de conteúdo fraudulento foi compartilhado nas redes sociais para manipular a opinião pública, que não costuma questionar e nem checar a veracidade das fontes.
Mas por que esse tipo de notícia é compartilhada? Um estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) verificou que esse tipo de conteúdo falso tem mais chance de viralizar. Eles avaliaram que entre 2006 e 2017, as notícias falsas se espalharam mais rápido do que as verdadeiras. Isso, independentemente do teor: matérias de política, saúde, ciência, economia ou sobre tragédias e fenômenos naturais. O motivo? Elas apelavam para as crenças, emoções e medos do leitor.
Um dos maiores problemas da última eleição é o uso de robôs e a criação de perfis falsos para disseminar notícias e memes nas redes sociais. Bots são programas feitos para realizar atividades automaticamente. Eles podem disseminar informações de forma rápida e para milhares de pessoas, inundando grupos e páginas em poucos segundos. Esses programas podem até mesmo interagir com um usuário real e “conversar” com ele a partir de aprendizados de inteligência artificial.
Num contexto político, os robôs são usados de forma indiscriminada para influenciar opiniões pessoais e o debate público como um todo. Também são usados para “turbinar” um perfil com um número artificial de seguidores. Os conteúdos que os bots m geralmente são ataques políticos a adversários, notícias falsas e posts favoráveis ao nome que apoiam.
Na eleição presidencial deste ano, os robôs nutrem-se da divisão do debate nas redes. A FGV DAPP (Diretoria de Análise de Políticas Públicas) monitora o fluxo de informações no Twitter e no Facebook. Um recente estudo da instituição analisou as postagens de presidenciáveis nas eleições 2018 e observou o uso intenso de bots nas campanha, durante o período de 08 e 13 de agosto. A análise detectou que três redes de robôs foram responsáveis por 1.589 ções durante o período. No total, foi detectada a presença de 6 mil contas automatizadas que geraram 19,8 mil posts, a maioria sobre o Bolsonaro e o então candidato petista, Lula.
O fenômeno da “bolha narrativa” também colabora para a polarização política. As redes sociais possuem algoritmos que direcionam conteúdos para o usuário. Se eu gosto de um conteúdo compartilhado por um amigo, o algoritmo faz com que eu visualize posts semelhantes. Como resultado, forma-se uma “bolha narrativa”, que me isola de posições políticas diferentes. Ao consumir conteúdos que reforçam nossas crenças, uma quantidade cada vez maior desse material é repercutida entre as mesmas pessoas, muitas vezes sem um olhar crítico. E quanto mais conteúdo agressivo circula em determinado grupo, maior é a probabilidade de se inflar um sentimento de ódio.
Democracias frágeis e o autoritarismo no mundo
Diante desse vazio de representação política, quem ocuparia o espaço? Muitos cientistas políticos apontam que a sociedade busca “alguém de fora para corrigir o sistema”, os chamados “outsiders”, que não fazem parte da política tradicional e são vistos como “líderes fortes”. Isso poderia explicar a ascensão de políticos populistas, nacionalistas ou autoritários.
O populismo pode se encaixar em qualquer espectro no debate político. No Brasil, tanto ex-presidentes de esquerda, como Luiz Inácio Lula da Silva, quanto candidatos de direita, como o deputado Jair Bolsonaro, já foram chamados de populistas.
Segundo o cientista político Benjamin Moffitt, um verdadeiro líder populista diz representar a "vontade unificada do povo". Ele geralmente se apresenta em oposição a um tipo de inimigo, que pode ser o sistema atual. Ele pode se apresentar tanto como uma vítima ou como um “salvador da pátria”, em uma lógica do “bem contra o mal”.
Nessa lógica, o político precisa fazer o eleitorado acreditar que o mal está crescendo e que existe um “caos” que será reordenado por ele. Para Monff, o populismo de direita, por exemplo, se baseia sempre em algum discurso de ódio quanto a alguma minoria e em combate ao “Sistema” e seus valores amorais.
O Brasil está longe de ser o único país onde a política foi capturada por uma polaridade e discursos radicais. Os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, professores da Universidade Harvard, passaram os últimos vinte anos estudando o colapso dos regimes democráticos na Europa e na América Latina. Para eles, sociedades polarizadas tendem a enfraquecer o sistema de democracia.
Os cientistas afirmam que atualmente o sistema de democracia representativa está em crise no mundo todo. No livro “Como as Democracias Morrem”, eles criticam a polarização. “O enfraquecimento das normas democráticas está enraizado na polarização sectária extrema — uma polarização que se estende além das diferenças políticas e adentra conflitos de raça e cultura. A polarização mata democracias”. Como consequência, eles também apontam que o enfraquecimento desse sistema pode levar ao crescimento gradual do autoritarismo.
Para os cientistas, a ascensão de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos pode ser comparada a exemplos históricos de rompimento da democracia nos últimos cem anos: da ascensão de Hitler e Mussolini nos anos 1930 à atual onda populista de extrema-direita na Europa, passando pelas ditaduras militares da América Latina dos anos 1970. Outros exemplos recentes desse fenômeno são o Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia) e o avanço do populismo em países como Hungria, Filipinas, Turquia e Venezuela.
Levitsky e Ziblatt acreditam ainda que o mundo atual não precisa mais de uma ruptura violenta nos moldes de uma revolução ou de um golpe militar para uma democracia plena desaparecer. Agora a escalada do autoritarismo se dá com o enfraquecimento lento e constante de instituições críticas – como o judiciário e a imprensa – e a erosão gradual de normas políticas (como leis) de longa data.
Por Carolina Cunha, da Novelo Comunicação