Artigo
Alice, A Lagoa De Lágrimas E Nick Vujicic
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Podemos escolher viver na lagoa de lágrimas, ou tornar a vida uma grande palestra motivacional, pois o sentido da vida está naquilo que escolhemos... A despeito disso, há os que escolhem dar um sentido à sua vida em um constante processo de desencontro. Uma espécie de crise de identidade permanente.
Esses dias li o clássico “Alice no país das maravilhas”, do pelo autor inglês Lewis Carrol (Charles Lutwidge Dodgson) por volta de 1865/1866. É uma de suas obras mais conhecidas, juntamente com “Alice através do espelho e o que ela encontrou lá”, de 1871.
Carrol divertia seus sete irmãos com jogos e passatempos criados por ele mesmo. Formou-se na Universidade de Oxford, a contragosto do pai, e tornou-se amigo de um dos decanos daquela instituição. Assim como fazia com os seus irmãos, entretinha as três filhas do seu amigo decano contando histórias inventadas na hora.
Gago, tímido e retraído entre os adultos, ficava sempre à vontade no meio das crianças. Durante um passeio de barco com elas, em 4 de julho de 1862, Carrol improvisou uma história fantástica em que Alice, a sua preferida entre as irmãs, era a personagem principal.
Ele foi um dos primeiros autores a dar forma escrita às peculiaridades do mundo onírico, onde tudo é possível e os acontecimentos são sempre imprevisíveis. Nele, o Tempo pode adiantar a hora do almoço, a Rainha condena as criaturas à morte, mas ninguém é executado, os animais convivem em condições de igualdade com os humanos.
O primeiro livro narra os sonhos aventureiros da menina após seguir um coelho falante e cair em um túnel. Lá, em contato com um antídoto, ela fica do tamanho aproximado de 25 centímetros, mas num segundo momento chega aos 2 metros e meio de altura. Dentre as suas experiências e descobertas a personagem vive um de seus dramas e, conforme a obra, “continuou chorando, despejando baldes de lágrimas, até que começou a se formar uma grande poça em sua volta, com uns dez centímetros de profundidade, chegando até o meio da sala”. (página 24 da edição de 2009, Editora Cosac Naify). Não é, realmente, de se espantar diante da reação da personagem, uma vez que um novo mundo se abria diante de seus olhos, além das vivências e transformações tão repentinas.
Deixando as aventuras e fantasias um pouco à parte, também li sobre Nicholas James Vujicic. Ele nasceu em 04 de dezembro de 1982, em Melbourne, Austrália. É um evangelista, palestrante motivacional e diretor da Life Without Limbs (Vida sem Membros). Nascido sem pernas e braços devido à rara síndrome Tetra-amelia viveu uma vida de dificuldades e privações ao longo de sua infância. No entanto, ele conseguiu superar essas dificuldades e, aos dezessete anos, iniciou sua própria organização sem fins lucrativos e começou suas viagens como um palestrante motivacional. Sua vida atraiu mais e mais a cobertura da mídia de massa. Há vários documentários sobre ele circulando em sites da internet e alguns nos canais Discovery. Atualmente, ele dá palestras sobre vários assuntos tais como a deficiência, a esperança e o sentido da vida.
Em uma espécie bem distante de “literatura comparada”, há como fazermos um elo entre esses dois modelos de personagens mencionados no texto. A relação entre eles, embora distintas as suas vidas, faz com que paremos diante de nós mesmos e de nossa “nada mole vida” para procurar entender quais escolhas temos feito. Muitos de nós não temos falta alguma, seja física, ou de aparência, econômica ou de formação; reclamamos da comida repetida, do sal que não está no ponto, do trânsito, da segunda-feira que se inicia, do cabelo que não está conforme as revistas e novelas, da barriga que não seca. Uns choram derramando baldes de água e criando poças profundas ao seu redor.
Já outros não têm as pernas e os braços, os olhos, os ouvidos, a língua, perspectiva de futuro, grandes sonhos profissionais. Mesmo assim conseguem de maneira impressionante sorrir, ou cantar, ou respirar a leveza da vida. A grande questão é: podemos escolher viver na lagoa de lágrimas, ou tornar a vida uma grande palestra motivacional, pois o sentido da vida está naquilo que escolhemos. Para alguns, isso está nos bens adquiridos ao longo da carreira. Para outros, viver em constante contato com a natureza. Ainda há aqueles que se dedicam a um estilo religioso; há quem doe o seu tempo auxiliando os mais necessitados.
A despeito disso, há os que escolhem dar um sentido à sua vida em um constante processo de desencontro. Uma espécie de crise de identidade permanente. Não me refiro aos casos patológicos, pois, logicamente independem de decisões.
Parece que quanto mais lemos, temos conhecimento e literaturas, mais preparação, menos caminhamos com leveza ou nos aproximando de quem realmente somos. Queremos nunca ser! Regamos uma vida de constante procura daquilo que não somos.
A literatura faz menção a fatos aplicáveis à realidade, muitas vezes. Ou a narrativas ficcionais que nos dirigem a críticas sociais, explícitas, ou bem sutis. Mas a realidade é que podemos dar sentido à nossa passagem pela vida de outros semelhantes deixando uma marca de bem-estar e lições de um bon vivant.
Antes de deixar essas lições para outros, podemos deixá-las para nós mesmos conhecendo melhor os nossos limites emocionais e físicos; medos, anseios, vergonhas. E até mesmo as partes do corpo nunca tocadas antes.
Independentemente do “ter”, podemos “ser”. Podemos ter ausência de bens materiais, de luxo, de membros do corpo, de relacionamentos fixos, de formação. Aceitar “ser” já é mais complexo, por mais paradoxal que possa parecer. Atualmente as nuvens de pessoas estão cada vez mais carentes, mais confusas, mais solitárias e precisam daqueles que escolhem “ser” um modelo de vida bem resolvida, uma espécie de palestra motivacional personificada, como tem sido o jovem Nicholas James Vujicic. O mundo está cansado das lagoas de lágrimas!
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