Desistir ou insistir? O dilema sobre o que fazer com a carreira foi uma das consequências da violência na vida de professores no Brasil, país que aparece no topo do ranking global das agressões, segundo a OCDE. Antes da agressão contra Marcia Friggi, professora em Santa Catarina, o G1 já havia reportado dezenas de casos em anos recentes.
Muitas vezes, as vítimas, por medo, não denunciam o abuso que sofreram. Por isso, não há sequer estatísticas atuais sobre o tema.
Abaixo, cinco professores revisitam suas histórias e explicam qual caminho escolheram: desistir ou insistir.
Agressão com arma de choque
— Foto: Arte/G1
CASO: Em maio do ano passado, o professor Anísio André Santos Júnior foi agredido com uma arma de choque por um estudante dentro de uma escola estadual na cidade de Esplanada, a cerca de 170 km de Salvador. Anísio machucou o nariz e sofreu várias escoriações após cair no chão, por causa da descarga elétrica que recebeu.
“A arma parecia uma lanterna pequena, ele usou no meu braço, eu não vi. Bati meu rosto, me machuquei. Fiquei 15 dias afastado. Dou aulas desde 2005, e, nesta escola, desde 2009. Continuo dando aula na mesma escola [Escola Estadual Celina Saraiva]. Na época, ela deu o apoio que eu precisava.
O aluno foi suspenso até a família se pronunciar, a família apareceu na escola. Ele retornou para a sala de aula, não foi justo eu passar por essa humilhação. Ele era menor, eu entrei com processo, mas parece que foi arquivado no Fórum de Esplanada. Ele era violento, já teve outro problemas. Tinha queixa de professores sobre comportamento dele. Ele voltou para a escola, mas não concluiu o ensino médio. Não sei o rumo que tomou.
"Não pensei em desistir porque escolhi ser professor. Não ia abrir mão do que acredito. Na época pensei em pedir transferência da escola, mas não era justo eu mudar a minha vida por conta de um adolescente que nunca entrou na aula para estudar."
A violência na sala de aula está muito crescente. Muitos adolescentes estão ali só cumprindo tabela. Fora a agressão psicológica que vivemos constantemente. Sobre este caso da professora de Santa Catarina, e se fosse o contrário? Se a professora tivesse agredido o aluno, provavelmente estaria detida. Que Justiça é essa? Dois pesos e duas medidas?”
Chutes nas costas
Violência contra professores — Foto: Arte/G1
O CASO: Em uma escola estadual de Rio Preto (SP), em março de 2016, Aparecido estava preparando um seminário sobre violência em sala de aula, quando viu um aluno com o celular na mão. Pediu para o estudante guardar o aparelho e ele se recusou. Diante disso, o docente encaminhou o jovem para a direção. O aluno, no entanto, esperou o professor na porta da sala e quando ele saiu, deu chutes e socos nas costas.
“Depois de ser agredido sem motivo nenhum, eu me sinto refém dessa violência que acontece todos os dias. Ainda trabalho na mesma escola, é uma escola de periferia, a diretora faz das tripas coração para tudo correr bem, mas é difícil.
Na semana passada, um professor foi agredido verbalmente. Estou tomando remédio para me acalmar e controlar o emocional, mas nunca precisei de nada disso. Dar aulas está muito difícil. O ECA não protege os professores, estamos abandonados.
Na época, não tive nenhum apoio, precisei pagar um psiquiatra porque o convênio do Estado não cobria. Primeiro abalou meu emocional, depois foi o físico. Fiquei oito meses afastado. Tenho hematoma na perna esquerda. Uma das minhas vértebras foi comprimida pela violência do choque traumático.
Como eu tinha uma hérnia de disco, fisicamente nunca mais fui o mesmo. E na sala de aula nunca mais tive a mesma segurança. Continuo com medo. O menino passou 90 dias recolhido na Fundação Casa, agora está em liberdade, mas eu nunca mais o vi. ”
"Já pensei em desistir de dar aulas. Fica difícil trabalhar em um lugar onde você não tem paz. Eu não estou lá para isso, palavrão eu ouço todo dia."
Soco de um aluno de 12 anos
Violência contra professores — Foto: Arte/G1
O CASO: Em Rondonópolis (MT), em maio de 2015, a professora Luciene Fátima Carloto, que atuava na coordenação pedagógica, levou um soco de um aluno de 12 anos dentro da instituição de ensino.
"(Após a agressão), tive dois meses de licença médica, sem vontade de voltar. No decorrer do tratamento fui percebendo que um aluno não poderia estragar minha carreira, que foi construída com dificuldades.
É horrível. Uma sensação de impotência. Parece que meu diploma foi rasgado e o mais difícil é saber que as agressões continuam por este país afora. Depois que eu falei publicamente do meu caso, parece que outras professoras resolveram falar também. Não falavam antes por vergonha ou por acreditarem que nada acontece??? As agressões são constantes, não digo apenas da física, mas principalmente da verbal.
"Quase que diariamente os professores são xingados pelos alunos, infelizmente ocorre uma distorção de educação e respeito. Os pais estão transferindo a educação familiar para a escola."
Minha família deu apoio, sempre preocupada com meu estado emocional. Depois da licença médica, voltei e ao término do ano fui convidada pelos pares a candidatar à direção da escola, assim eu fiz e estou na direção desde 04/01/2016. Algumas pessoas falaram para eu aposentar, já que faltava pouco tempo, mas resolvi voltar e sempre fui tratada por todos com bastante cuidado.
Na escola, o caso foi tratado com muito cuidado e delicadeza, os pais ficaram emocionados com minha narrativa, pois expus em reunião geral antes de sair de licença. Eles precisavam ouvir de mim como tudo aconteceu, pois infelizmente alguns canais da imprensa acabam distorcendo algumas coisas. Nunca fui chamada para depoimento na delegacia. Apenas em uma ocasião no conselho tutelar, não fiquei bem, meu corpo tremia muito. Não sei por onde anda o menino. O final dessa história quem colocou um ponto final fui eu."
Ameaçada por aluno armado
Violência contra professores — Foto: Arte/G1
O CASO: Em 2009, Rosemeyre de Oliveira foi ameaçada por um aluno armado em uma escola estadual de São Paulo (SP). Não conseguia mais voltar para a sala de aula, então procurou tratamento psiquiátrico e foi afastada. Depois de várias licenças médicas, desistiu de exercer a função de professora e pediu para ser readaptada. Desde então, trabalha na secretaria de um colégio estadual. Em dezembro, encerrará seu doutorado sobre professores readaptados.
“Em 2009, fui ameaçada por um aluno traficante, que estava armado dentro da escola. Depois disso, tentei várias vezes voltar para a sala de aula, mas não consegui. É progressivo. Eu ia trabalhar às 18h, mas chegava o meio-dia e eu já começava a ficar nervosa. Passei a nem atravessar a rua mais. Tive síndrome do pânico.
Até eu notar que precisava de ajuda, demorou um pouco. Fui à psiquiatra e ela me afastou. Na primeira consulta, eu só chorava, nem conseguia dizer que era professora. Foram licenças e afastamentos de 45 a 60 dias. Acabava a licença e eu não conseguia voltar. Até que decidi jogar a toalha e ser readaptada. Isso acontece com professores afastados, que voltam para ocupar uma nova atividade profissional, não mais em sala de aula. Eu, por exemplo, passei a trabalhar na secretaria de outra escola, cuidando dos prontuários dos alunos.
"A gente não é respeitado quando é readaptado. É assédio atrás de assédio. Vira só a “tia da secretaria”, nem os colegas me veem como professora. Todos acham que estou fazendo corpo mole, fingindo que não consigo dar aula."
Nas redes sociais, vi que vários outros professores readaptados passavam por constrangimentos – então decidi estudar sobre isso. Entrei no doutorado na PUC-SP, em linguística aplicada, para investigar os sentidos e os significados do trabalho do readaptado. Defendo minha tese ainda nesse ano.
Casos como o meu vão continuar acontecendo, porque não existe punição para o aluno. Ele sabe que no máximo vai ser transferido para outra escola ou suspenso por alguns dias. Mas o professor não consegue mais voltar para uma sala de aula.”
Tiros na saída da escola
— Foto: Arte/G1
O CASO: Em outubro de 2012, M.L. foi abordada por um ex-aluno e por outros dois adolescentes no estacionamento da escola municipal onde lecionava, em São Paulo. Os jovens anunciaram que roubariam o carro da professora. Um deles disse "hoje você vai morrer" e atirou duas vezes em direção à cabeça da docente, mas a arma falhou. Na terceira tentativa, M.L. foi atingida na coluna. Ela foi operada para retirar a bala e tem sequelas motoras, neurológicas e psiquiátricas.
“Entrei em depressão pós-traumática depois da cirurgia. Não sei o que teria sido de mim sem meu apoio familiar. Porque não tive nenhuma assistência do Estado. Foi humilhante. Fiz quatro perícias, tenho toda a documentação e o Estado continua dizendo que devo R$ 14.800,00 – eles não consideram minhas licenças médicas, então querem me penalizar como se eu tivesse faltado no trabalho. Estou processando a prefeitura, pelos danos morais e materiais para pagar meu tratamento, e o Estado, para conseguir minha aposentadoria.
Não consigo ir para lugar movimentado, passeata, show. Só saio durante o dia, em lugar protegido. O professor não tem estrutura para exercer sua profissão - não tem apoio psicológico ou emocional.
Soube que os meninos que me assaltaram foram para a Fundação Casa na época. Três meses depois, foram soltos. Acho que um deles chegou a ser preso quando completou 18 anos, mas não tenho certeza. Se eu os desculpo? Sim, desculpo. Mas o trauma que isso me causou, eles não têm noção.
Sinto que a dor poderia ter acabado na hora do tiro. Pensei em me matar várias vezes, sou uma suicida em potencial. ”
"As pessoas não imaginam o que acontece na escola pública. Apesar disso tudo, não me arrependo de ter investido na área de educação. Nasci para dar aula. É uma pena que isso não tenha sido valorizado."