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Como A Tecnologia Pode Evitar Que Você Consuma Alimentos Contaminados
Como a tecnologia pode evitar que você consuma alimentos contaminados
Nova tecnologia vai expor informações sobre a cadeia global de alimentos — dados que hoje são impossíveis de um consumidor acessar.
Por BBC
18/06/2019 22h08 Atualizado há 7 meses
Em breve, os compradores poderão aprender a 'história' dos peixes que vão comer — Foto: Marcelo Brandt/G1
A vida marinha está sendo sufocada por um campo minado de plástico nos oceanos, e as imagens são fortes.
Um peixe-rei com um perturbador caleidoscópio de pedaços de plástico em seu fígado. Um dourado-do-mar com tampas de garrafa de plástico em seu estômago. Ou mexilhões e moluscos, os filtros do mar, que abrigam microplásticos invisíveis a olho nu.
Nossa primeira reação a essa notícia é muitas vezes de repulsa. Mas isso rapidamente dá lugar a um pensamento mais sério: o impacto de longo alcance das oito milhões de toneladas de poluição plástica que entram nos oceanos todos os anos.
Não apenas a prova de nossos crescentes erros ecológicos, essa catástrofe também ameaça nos envenenar onde somos verdadeiramente vulneráveis: nossos pratos.
As perspectivas de tal futuro impactam a forma como compramos alimentos. No ano passado, uma pesquisa conduzida pela empresa de consultoria McKinsey & Company confirmou uma tendência há muito conhecida: alimentos de qualidade continuam sendo mais importantes que os preços.
Em outras palavras, os compradores se importam profundamente em consumir alimentos seguros e demonstram isso de bom grado com seus cartões de crédito.
Desconhecimento da origem
O problema é que nossa rede industrial de alimentos nos deixa sem saber a origem de nossa comida. Em uma estranha reviravolta do destino, ficamos totalmente perdidos em um mundo super saturado pela informação.
Isso está prestes a mudar. Uma nova tecnologia está preenchendo essa lacuna de informação e devolvendo o poder do conhecimento aos consumidores. Ao catalogar dados da longa cadeia de alimentos em registros criptografados, o nebuloso mundo da rede global de abastecimento será exposto.
Em breve, os compradores poderão acompanhar a "história do peixe" — um boletim contendo a foto original do produto, local de captura, peso inicial, espécie, detalhes da embarcação e tripulação, número da etiqueta RFID (ou Identificação por Rádio Frequência), detalhes da água onde foi capturado e muito mais.
Alimentos vendidos neste sistema serão mais detalhados que a maioria dos produtos que compramos online.
Os primeiros produtos de pescado a serem rastreados de forma transparente — do oceano ao ponto de venda — chegarão aos supermercados da Nova Zelândia e da União Europeia ainda este ano, garante Alfred Cook, gerente de programas da Fundação Mundial de Vida Selvagem, conhecida como WWF, que trabalha no projeto.
Um projeto piloto começou em junho de 2017 e a fundação espera que a transparência imposta na cadeia de abastecimento também impeça que os peixes capturados com uso de trabalho escravo acabem em nossas compras sem que saibamos.
Para garantir que ninguém esteja comprando peixe cheio de plástico, as informações de geolocalização vão mostrar que a captura está longe de áreas costeiras populosas. E as certificações de inspeção vão provar que o produto passou por verificações de qualidade.
Desde os altos e baixos do bitcoin entre 2017 e 2018, a tecnologia blockchain, a base por trás das moedas criptografadas, atraiu níveis exagerados de dade. Hoje, há inúmeras startups no mundo procurando maneiras de aplicar os misteriosos métodos de registros descentralizados e criptografados para revolucionar negócios grandes e pequenos. A maioria é apenas truque.
Este, no entanto, parece diferente. Unir os locais de estoque das modernas cadeias de alimentos é um dos melhores exemplos de um problema do mundo real que somente o blockchain pode resolver. E que promete ter um impacto sobre o comprador médio muito em breve.
"A cadeia de abastecimento tradicional é baseada em relacionamentos e uma completa falta de informação de um ator para o outro", diz Brett Haywood, diretor administrativo da Sea Quest Fiji, empresa de pesca e processamento de atum da Nova Zelândia que está envolvida no programa pioneiro.
"Sabemos para quem vendemos nossos peixes, mas não sabemos o que o próximo ator ganha como margem. Por um lado, não é nosso negócio saber como o peixe é vendido ao longo da cadeia, mas, por outro lado, estamos sujeitos às ineficiências dos atores que estão nessa cadeia", explica Haywood.
"A transformação que isso trará para as cadeias de fornecimento tradicionais é significativa, já que o produtor primário pode se aproximar do consumidor final", continua Haywood.
A infraestrutura tecnológica para este projeto existe há vários anos. Esforços pioneiros foram feitos na Nova Zelândia e na Austrália em 2015 e 2016, e projetos semelhantes se seguiram em Miami, para citar alguns.
Esses programas nunca divulgaram muitos detalhes. Usando tecnologias de identificação automatizadas, como radiofrequência e códigos de barras 2D, os varejistas de alimentos forneceram dados instantâneos sobre a origem do produto aos consumidores por meio de aplicativos para smartphones.
Mas até agora faltam dados mais amplos sobre a origem dos alimentos. As modernas cadeias de abastecimento têm muitas partes isoladas para serem assimiladas.
"Gastamos muito tempo conciliando as informações entre as organizações porque todos mantêm seu próprio banco de dados", observa Tyler Mulvihill, cofundador da Viant, empresa sediada no Brooklyn que constrói o software na blockchain pública ethereum.
Por que essa tecnologia é necessária?
"A rastreabilidade de ponta a ponta é extremamente difícil de ser feita sem blockchain porque você tem sistemas de dados isolados e se uma dessas cadeias quebrar, todo o sistema quebrará", respondeu Mulvihill. "Fazer rastreabilidade em escala é uma tarefa quase impossível."
No entanto, levantar por iniciativa própria o véu do funcionamento interno de uma empresa não será uma decisão sensata para muitos CEOs. O mundo dos negócios não incentiva a transparência, e a mudança na maneira de se fazer as coisas pode levar um tempo considerável.
Pense em qualquer empresa integrada verticalmente: isso exporia detalhes de produtos também aos concorrentes diretos. Pode não ser a escolha mais sábia.
"O problema é que essa informação é controlada pelo que os atores da cadeia de fornecimento desejam compartilhar, então é preciso uma revolução para mudar isso", afirma Haywood. "Acredito que a tecnologia blockchain é a catalisadora [da mudança], criando um relacionamento entre consumidor e produtor primário".
Consumidores conscientes
As campanhas de marketing pressionarão a mudança à medida que os consumidores começarem a esperar mais transparência com seus alimentos. No entanto, embora o futuro imponha um número maior de empresas conectadas a registros disponíveis mente, é preciso dizer que essa tecnologia está aqui para resolver um "problema de países ricos".
"A ideia de saber de onde vem sua comida é um privilégio daqueles que são mais ou menos economicamente seguros", Robyn Metcalfe, diretora da organização Food+City, da Universidade do Texas, em Austin.
"Muitos precisam de comida num nível básico e, portanto, não têm interesse em saber de onde vem. Se estamos falando apenas de pessoas com segurança alimentar, com certeza, existem tecnologias que eles têm tempo e recursos para aproveitar."
Aplicativos que oferecem informações sobre alimentos serão abundantes, Metcalfe prevê, e elas se tornarão mais sofisticadas a cada dia.
"Interagir com a sua comida vai se tornar uma tendência", continua Metcalfe. "Essa conexão não significa necessariamente que as pessoas terão mais poder; talvez saber mais sobre sua comida seja uma conveniência e, em alguns casos, uma forma de entretenimento".
Em um mundo onde os habitats de nossos frutos do mar estão cada vez mais ameaçados, essas tecnologias podem se tornar um requisito obrigatório para compradores sensíveis à qualidade. Mas uma inundação de novas informações não é garantia de avanços, como muitas tecnologias emergentes nos ensinaram, e essas inovações sempre dependerão de quão bem somos educados para usá-las.
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