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Como Combater O Racismo Dentro Da Sua Empresa?
Como combater o racismo dentro da sua empresa?
Especialista em diversidade e sustentabilidade Liliane Rocha fala sobre cenário do racismo corporativo e como empreendedores podem apoiar a diversidade nos negócios
5 min de leitura
- MARIANA FONSECA
22 JUN 2020 - 06H00 ATUALIZADO EM 22 JUN 2020 - 06H00
Liliane Rocha, CEO da Gestão Kairós (Foto: Mario Duarte/Divulgação)
Pessoas que se autodeclaram pardas e pretas representam 55,8% da população brasileira. Essa maioria não impede que continuemos vendo casos de racismo explícitos e implícitos nas empresas. Desde comentários ofensivos até a falta de oportunidades de ascensão, o racismo em empreendimentos de todos os portes é uma realidade. Como o empreendedor pode combatê-lo dentro do seu próprio negócio?
A mudança começa a partir de você mesmo. É o que afirma a especialista em diversidade e sustentabilidade Liliane Rocha. Ela é autora do livro "Como ser um líder inclusivo" e trabalhou em multinacionais como Philips, Santander, Votorantim Metais e Walmart. Liliane também é CEO e fundadora da consultoria Gestão Kairós.
"O racismo continua existindo: eu tenho episódios individuais que ocorreram tanto em 2005 quanto em 2020. Mas as empresas começam a entender que precisam dialogar", afirmou a especialista em entrevista a Pequenas Empresas & Grandes Negócios.
"Vejo muito mais avanço na diversidade em empresas nas quais o dono está diretamente ligado ao assunto. Ele vira um exemplo para o resto da organização. Se você for racista, para quem o funcionário vai reclamar se for alvo de um episódio do tipo?"
Veja os principais trechos da entrevista com Liliane Rocha, fundadora da Gestão Kairós:
Por que a diversidade é tão importante para sua carreira e para as empresas?
Entrei nessa áreas um tanto por destino e outro tanto por histórico. Tive uma infância pobre e vulnerável. Depois pude deixar de me preocupar se teria ou não o que comer, mas gravei um aprendizado sobre igualdade e oportunidade. Algumas crianças se preocupam com a próxima refeição, enquanto outras, não.
Entrei na faculdade e fiz comunicação para uma grande empresa. Depois, descobri que diversidade e sustentabilidade eram possibilidades de trabalho. Como aluna de escola pública, mulher e negra, não vejo perfis como o meu nas empresas. Passei por esses obstáculos na pele e sabia que eles iriam tangenciar minha carreira. Eu poderia entender diversidade e sustentabilidade ou apenas ser afetada passivamente. Trabalho ativamente nessas áreas desde 2005.
Pensando sobre o racismo nas empresas nesses últimos quinze anos, fizemos algum progresso?
O racismo continua existindo: eu tenho episódios individuais que ocorreram tanto em 2005 quanto em 2020. Mas as empresas começam a entender que precisam dialogar. Seja pelo advento da pressão pelas redes sociais ou pelo Black Money [potencial de consumo da população negra]. Também há um aumento na contratação de negros por conta dessa consciência das empresas e das próprias pessoas se autodeclarando negras.
Minha preocupação está mais nos cargos de liderança hoje. Uma pesquisa do Instituto Ethos mostrou que havia apenas 4,7% pessoas negras no quadro executivo de 117 empresas brasileiras de médio e grande porte.
Por que há essa lacuna nos cargos executivos?
Temos um racismo estrutural no país, que permeia indivíduos e se reproduz nas empresas e instituições. Quanto mais eu cresci nas empresas, mais percebi episódios de falta de reconhecimento dos negros. O racismo fica mais evidente quando você está em uma sala com outros vinte gerentes, todos homens e brancos, e discorda com um deles. Fazer com que eles percebam que sua posição é igual fica mais difícil.
Quais são os episódios de racismo mais comuns nas empresas?
Ataques diretos ainda existem. Eu e amigas negras já ouvimos pedidos para mudar nosso cabelo. Esse tipo de assédio moral toma o lugar de conversas sobre nossas entregas de metas. Nas contratações, também já ouvi diretamente que um executivo não queria um funcionário negro.
Mas existem episódios mais velados. Por exemplo, você nota que não há negros nos cargos mais altos. Não acho que seja o caso de inexistirem negros competentes nessas empresas. As promoções são barradas sem que ninguém admita que é por conta da raça.
Como um empreendedor pode promover a diversidade dentro do seu próprio negócio?
O líder da empresa faz muita diferença. Vejo muito mais avanço na diversidade em empresas nas quais o dono está diretamente ligado ao assunto. Ele vira um exemplo para o resto da organização. Se você for racista, para quem o funcionário vai reclamar se for alvo de um episódio do tipo?
Então, adquira primeiro a consciência sobre a importância de promover a diversidade. Perceba nossos quase quatro séculos de escravidão, nos quais uma grande parte da população foi tratada como um objeto. Temos só quatro gerações sem escravidão.
Depois, o empreendedor precisa se incomodar com a porcentagem de pessoas negras na sua empresa em comparação com a população brasileira. Principalmente na liderança.
Trace o perfil médio da sua empresa: provavelmente será um homem, branco e heterossexual. Veja por que não existem mais pessoas negras na sua organização e faça com que os funcionários também entendam essa proporção e como isso é um problema.
O próximo passo é não apenas promover a diversidade, mas tomar atitudes em direção a ela. Monte um plano de ação com indicadores a serem seguidos na contratação, na retenção e na promoção dos funcionários. As metas devem ser colocadas nos seus sistemas de gestão e virar pautas das reuniões e de comunicados aos acionistas. Mesmo com a mudança na presidência ou no departamento de recursos humanos, o plano de ação deve continuar.
Depois que um episódio racista aconteceu, como o dono deve reagir?
Você precisa avaliar caso a caso e tomar as medidas cabíveis, o que pode incluir uma demissão. Mandar a pessoa embora pode servir como exemplo por punição, mas não resolve o problema maior.
Você precisa ensinar seus funcionários, porque o racismo é generalizado e pode acontecer a partir de atitudes aparentemente sutis. Realize um workshop de diversidade, mostrando o que pode ou não ser feito de acordo com a legislação brasileira e as políticas da sua empresa. Uma possível punição se torna mais justificada aos olhos de todos diante dessa advertência prévia.
Essas atitudes mudam de grande para pequena empresa?
O passo a passo é o mesmo, seja em uma empresa com dez ou com mil funcionários. Mas as grandes empresas têm uma maior burocracia para aprovar projetos. As pequenas empresas ganham em agilidade de implementação. No entanto, podem perder em processos.
Foque em estabelecer a diversidade como parte da estratégia do seu negócio e gaste seu tempo estudando metodologias e desenhando projetos para essa inclusão.