Artigo
Como Reconhecer Um Relacionamento Abusivo
RELACIONAMENTOS ABUSIVOS
Priscylla Piucco & Sofia Soter.
Todo mundo já ouviu falar de relacionamentos abusivos. O primeiro cenário que vem à mente quando se trata desse assunto é do relacionamento fisicamente agressivo, certo? A palavra “abuso” remete muito ao contexto do abuso sexual ou de agressão, mas, na verdade, existem mais variações de abusividade dentro de um relacionamento e algumas são, talvez, até mais frequentes.
O problema dessas variações de abusos nos relacionamentos é que muitas se tornam um pouco complicadas de serem identificadas. A pessoa que é vítima do abuso geralmente não enxerga a situação ou simplesmente se recusa a admitir que sua pessoa amada seja um agressor abusivo. O fator que ajuda a mascarar essas variações é o quão sutis e disfarçadas elas acontecem no dia a dia. Isso é duplamente verdade no caso de relacionamentos entre adolescentes, porque nesses momentos de “primeiro amor” é normal valorizar a intensidade e a paixão acima de tudo; achar que o relacionamento tem que ser épico, dramático, que nem os filmes e livros românticos te fazem acreditar. Além disso, as imagens de relacionamento abusivo mais divulgadas não são de adolescentes.
Sinais de abusos em relacionamentos
Nós sabemos que dói chegar à conclusão de que você está sendo vítima de abuso. Dói, mas é um mal necessário. O primeiro passo é identificar o abuso e então se livrar do que te prende a isso. Entretanto, é mais fácil falar do que fazer.
Muitas vezes você não consegue sair desse namoro/casamento/situação e os motivos são os mais diversos: medo da reação da outra pessoa, medo de ficar sozinha, esperança de que a pessoa vai mudar, ou porque você simplesmente ama a outra pessoa e, quando a gente ama, tentamos o máximo para manter a pessoa por perto. O que você precisa entender é que o amor não suporta o sofrimento constante. Não vale a pena se permitir sofrer desse jeito porque você ama a pessoa. Quando ela abusa de você, sua atitude é a maior prova de que o amor não é recíproco. Amor não sufoca, não controla, não humilha, não abandona, não machuca, não faz pressão psicológica, não ameaça, não agride, não mente. Isso é abuso, amor é outra coisa.
O abuso pode tomar várias formas:
Violência sexual: a pessoa te força a fazer qualquer tipo de ato sexual (qualquer MESMO; sim, beijo conta, sim, qualquer tipo de toque que não te agrade conta) quando você não quer/não está pronta; faz chantagem emocional para que você pratique qualquer tipo de ato sexual (ex: dizer que fazer um ato x é demonstração de amor, e que se você o ama você não deveria ter problema em fazê-lo); se aproveita de quando você está bêbada/em estado alterado para insistir em atos que você negou; não respeita o teu “não” em situações sexuais; acredita que, em um relacionamento romântico e sexual, você tem a obrigação de praticar qualquer ato sexual sempre que a pessoa deseja.
Violência física: a pessoa te bate, chuta, ou te ataca fisicamente; te ameaça fisicamente, com ou sem armas; joga objetos na tua direção durante brigas, ou destrói objetos; tende a demonstrar comportamento violento quando com raiva (mesmo que não chegue a te bater); te segura com força, te empurra ou te impede fisicamente de ir a algum lugar, sair de algum lugar, ou fazer algum movimento; se machuca fisicamente de propósito, culpando você pelo sofrimento emocional em que se encontra.
Violência emocional: a pessoa te xinga; mente, trai, descumpre acordos; reage violentamente se você faz qualquer coisa que a própria pessoa fez sem demonstrar remorso; reage desproporcionalmente a qualquer coisa que a desagrade, mesmo que pareça não fazer sentido; age de forma punitiva quando você faz qualquer coisa que a desagrade (ex: exigindo que você peça desculpas exageradamente, que você “pague” ou “se redima” pelo que fez, pedindo supostas provas de amor e sacrifícios em troca de perdão); controla com quem você anda, o que faz, o que veste (este controle pode ir desde demonstrar desaprovação, reclamando dos teus amigos, das tuas roupas, das tuas escolhas, a impedir fisicamente/com ameaças que você veja certas pessoas/vista certas roupas/faça certas coisas); controla o teu uso de dinheiro (ex: exigir que você pague por tudo, criticar excessivamente os teus gastos pessoais, pedir dinheiro e bens materiais como provas de amor); viola tua privacidade, lendo tuas mensagens e e-mails, mexendo nas tuas coisas, frequentemente aparecendo sem avisar no teu local de estudo, trabalho ou residência; faz questão de saber onde você está, e com quem, a cada momento, pedindo detalhes; te critica, humilha, age como se tuas opiniões e conquistas não fossem importantes; tenta te virar contra tua família e amigos, especialmente se estes já repararam no abuso e portanto não aprovam o relacionamento; ameaça se machucar/se matar.
E estes são só alguns exemplos! O relacionamento pode ser abusivo de inúmeras formas, e o que mais importa é o sentimento da vítima: se você tem medo da pessoa com quem se relaciona, se você evita dizer ou fazer certas coisas com medo da repercussão, ou sente que está presa numa situação sem saída, o relacionamento é abusivo, e o melhor a fazer é sair. Infelizmente, sair de um relacionamento abusivo não é fácil.
Por que as mulheres sentem tanta dificuldade em sair de um relacionamento abusivo?
Segundo o livro de John Shore, Seven Reasons Women Stay in Abusive Relationships (and how to defeat each one of them)1, as razões mais comuns pelas quais as mulheres mantém um relacionamento abusivo são:
Texto de - Razão 1: o medo de recriar sua identidade. As mulheres que estão em um relacionamento abusivo, geralmente são muito dependentes, seja qual for o sentido, da pessoa que está em sua vida.2 Ela volta seu eu em torno do outro. A partir do momento que esse outro não existir mais, ela terá de se voltar a si mesma e, por mais que quem vê de fora acredite ser a melhor coisa, para a vítima não é. John diz que quando uma vítima desse tipo de situação decide dar um basta, é uma espécie de cura não somente pra si mesma, mas também para todos aqueles que estão ao seu redor. Eis os motivos: a) serve de encorajamento ao próximo; b) é uma forma de refutar a imagem da mulher como um modelo padrão de vitimização; c) mostra à pessoa agressora que seu comportamento não é aceitável; d) tira a vítima da eterna esperança de que ela pode mudar a pessoa agressora pois é algo que dificilmente vá acontecer; e) você só tem uma vida, não a desperdice com quem te faz mal, reaja; f) você está no controle da sua vida, a escolha é sua, percorrer o caminho doloroso de salvar a si mesma ou sofrer até morrer ao lado de uma pessoa que te abusa.
- Razão 2: medo do desconhecido. Algumas mulheres não querem trocar o certo pelo duvidoso, ainda que o “certo” seja errado. Há quatro motivos principais para esse medo acontecer: a) poderia ser pior; b) não estar habituada a ficar sozinha; c) medo de nunca mais achar outra pessoa; d) medo de não se manter financeiramente. Poderia ser pior ficar sozinha? Absolutamente não. Sabe o ditado “antes só do que mal acompanhada”? Maior verdade. Não fique tentando pesar prós e contras, pois se você teve de chegar a esse ponto, provavelmente é porque não vale a pena. Se valesse, você já saberia de cara, sem precisar pensar se aquele sábado que a pessoa te tratou tão bem e te comprou flores não compensa a humilhação que te faz passar no domingo quando você deu um abraço em um amigo de longa data na rua. Se o medo for de nunca mais arrumar outra pessoa, saiba que você não precisa de ninguém. Simples assim. A sua felicidade tem que vir de você mesma. E jamais se mantenha em uma situação de abuso por medo de não ter dinheiro suficiente. Recorra aos familiares, amigos, procure um emprego melhor, faça qualquer coisa, porque qualquer coisa é melhor do que ser maltratada.
- Razão 3: vergonha dos outros. O que é esse medo? É aquele pavor básico que algumas mulheres sofrem de admitir para a família e amigos que seu relacionamento não foi bem sucedido. Ninguém vai estar lá para tomar seu lugar quando seu parceiro começar a te humilhar, bater ou pegar seu dinheiro. Portanto, você não deve nada a ninguém.
- Razão 4: pressão de ser como os seus pais. Seus pais casaram aos 18 anos, tiveram 4 filhos, estão casados há mais de 30 anos e são felizes. Os valores da família, do sagrado casamento, foram ensinados a você desde pequena e você quer segui-los, você quer ser a filha que foi criada para ser. Então você não se divorcia porque precisa ser forte, o padre disse “até que a morte os separe”, certo? Certíssimo… isso só está custando a sua vida. Você não é a cópia dos seus pais, você não tem que repetir padrão algum. Se seus pais estão felizes casados há tanto tempo, faça a si mesma o favor de tomar como inspiração e procurar alguém que te faça feliz. Casamento por si só não significa nada. Mulher completa não precisa de uma aliança no dedo, precisa é ser feliz.
- Razão 5: você ama as características amáveis que a pessoa tem. Se amor fosse simples, já teriam esgotado os roteiros de filmes. Amor é coisa complicada mesmo. A pessoa te bate, mas é “só” de vez em quando só e poxa, você ama o jeito que ela fala, você ama os abraços ela, vocês têm uma ótima química no sexo. A pessoa vale a pena. Só tem esse probleminha, mas… né. Por amor, tudo vale a pena. BEEEEEEP. Errado. Por amor só vale o amor. Agredir não é amor, é violência. Humilhar, xingar, ameaçar não é amor. Amor de uma via só não sustenta um relacionamento. Desculpa, eu sei que você ama aquela pessoa, mas lamento informar que não é reciproco. Quem ama cuida, quer ver o bem do outro. Clichê, mas verdade.
- Razão 6: não acreditar que a pessoa é assim. Muitas mulheres não enxergam que o comportamento abusivo faz parte da personalidade da pessoa. É quem ela é. Não é um vírus que é acionado quando a pessoa fica muito muito irritada e toma conta dela, como se ficasse inconsciente e o mal a possuísse. A pessoa é responsável pelas agressões e abusos SIM. Aceite, quem está nesse relacionamento com você É uma pessoa abusiva. Essa característica faz parte da pessoa, não vai sumir do nada numa bela manhã de sol em julho.
- Razão 7: a pessoa mente; diz que vai mudar, diz que nunca mais vai acontecer, diz que não sabe o que deu nela, pede desculpa, se transforma na pessoa mais amorosa do mundo nos dias seguintes até que age abusivamente mais uma vez. É um loop eterno. A pessoa não vai mudar, justamente pelo exposto na razão nº 6: a pessoa é assim. Quanto mais cedo você aceitar isso, menos lesada sairá desse relacionamento tóxico.
Como reconhecer a armadilha do relacionamento abusivo
por Aline Valek
Existem algumas pistas que podem indicar se você está presa em uma cilada que pode acabar em tragédia.
Experimente fazer uma busca no Google com o termo “inconformado com o fim do namoro”. Deixe que o próprio Google te mostre a triste realidade de mulheres assassinadas, sequestradas e agredidas pelos ex-parceiros. É assustador.
Não poucas vezes a mídia noticia casos de assassinato de mulheres pelos ex como “crime passional”. Mas não há nada de passional nisso. Não são homens que “amaram” demais e, por não suportarem a rejeição, resolveram agir drasticamente como se fossem personagens de um romance shakespeariano. Trata-se, na verdade, de um crime de ódio motivado por uma ideia simples e perversa: mulheres são coisas. Esses homens compraram essa ideia, acreditaram que suas companheiras eram suas posses. Acreditaram que eles tinham direito sobre o corpo e sobre a vida dessas mulheres a ponto de tirar-lhes a vida, se assim eles desejassem. Não é absurdo?
Esses casos mostram o extremo para onde a ideia “mulheres são coisas” pode levar, mas essa ideia se manifesta também no dia-a-dia de quem vive um relacionamento abusivo. Em um relacionamento abusivo, o parceiro pode não ter matado ou agredido a mulher (ainda), mas a prende em um relacionamento destrutivo e muito danoso. Tudo partindo da premissa que “mulheres são coisas e essa coisa é MINHA”.
Espero de verdade que não seja o seu caso, mas você sabe dizer se está em um relacionamento abusivo? Existem algumas pistas que podem indicar se você está presa em uma cilada dessas.
(antes, uma observação: relacionamentos abusivos podem não acontecer apenas em relações heterossexuais; mas, como dentro da nossa sociedade machista existe uma óbvia relação de poder de homens sobre mulheres, este é o recorte que escolhi para o texto)
1. Possessividade e controle: esse é o principal indício de que você pode estar com um cara abusivo. Ele tem ciúmes dos seus amigos, de pessoas do seu trabalho, até de familiares? Controla com quem você pode falar ou com quem você pode sair? Vigia suas mensagens, exige senha do seu e-mail e redes sociais? Desconfia constantemente de você, te acusa de traição sem motivos? Controla as roupas que você usa? Tenta isolar você só pra ele? Olha, o alarme já soou por aqui. Essa possessividade indica que o cara acredita que você é uma coisa, e não um ser humano autônomo e independente. E a gente já sabe o perigo que essa ideia representa, né?
2. Comportamento agressivo: nem é preciso partir para o espancamento para você descobrir que está em um relacionamento perigoso. Ele usa formas de contato físico para te ameaçar, como te segurar com força pelos braços ou te empurrar? Ele soca, chuta e derruba coisas para te intimidar? Já te ameaçou com uma arma? Amiga, fuja desse cara sem olhar pra trás.
3. Força sexo: não é sua obrigação como mulher ou namorada fazer sexo com seu parceiro. Você disse “não” e mesmo assim ele te forçou a fazer algum ato sexual? Ele já tentou fazer sexo com você enquanto você estava dormindo, contra a sua vontade? Ele já te ameaçou ou fez alguma chantagem emocional para que você concordasse em fazer sexo com ele? Sexo sem consentimento significa uma coisa: estupro. Um cara que não respeita o seu “não” já te enxerga como uma coisa desprovida de vontade.
4. Coloca você pra baixo: um relacionamento abusivo não é uma relação de igual para igual, mas sim uma das partes tentando exercer poder sobre a outra. O cara abusivo vai colocar você para baixo para poder se sentir poderoso. Ele humilha você com xingamentos ou apelidos pejorativos? Desvaloriza tudo o que você faz? Faz você se sentir feia, burra ou incapaz? Fica com raiva quando você demonstra independência, inteligência ou força? Ele te ofende e faz você passar por constrangimentos? Com isso, ele está destruindo uma das suas armas mais poderosas: sua autoestima. Há homens que acreditam que se puderem enterrar a autoestima da mulher sob vinte metros de concreto, ela estará mais suscetível a tolerar uma merda de relacionamento.
5. Desrespeita outras mulheres: fique atenta ao histórico do cara com quem você vive ou se relaciona. Ele maltrata outras mulheres, como a mãe, a irmã, a empregada, amigas, colegas de trabalho, desconhecidas na rua? Não fique indiferente ao comportamento agressivo do cara em relação a outras mulheres, pois nada impede que ele faça o mesmo com você.
6. Manipula: ele faz chantagem ou joguinhos para que você faça exatamente o que ele quer? Ele te pune e te impõe restrições se você o desobedece? Ele te coloca em situações em que você precisa da permissão dele para alguma coisa? Ele te proíbe de falar com os parentes para impedir que você conte o que acontece entre vocês? Ele te culpa por um abuso que ele tenha cometido contra você? Depois de um abuso ele se torna repentinamente carinhoso e romântico para que você o desculpe? Ele te ameaça ou faz qualquer tipo de chantagem caso você ameace abandoná-lo? Ele ameaça se matar caso você termine o relacionamento?
Se sim, lamento informar, mas você está em um relacionamento abusivo. Ou, na mais utópica das hipóteses, com um cara MUITO babaca.
"Estou em um relacionamento abusivo. E agora?”
Bem, só tenho um conselho para te dar: sai dessa. Corre. É uma cilada.
Claro que não é fácil assim. E eu te entendo, de verdade. Por isso o relacionamento abusivo é uma armadilha tão perigosa: porque te coloca numa situação difícil de sair, seja por ter tornado você dependente do cara financeira ou emocionalmente, seja por fazer você sentir medo ou culpa ou ainda aquela esperança de que você possa “salvar” o seu namoro ou casamento. Mas sua vida está acima de um namoro ou de um casamento. O caso é grave e não dá para arriscar sua vida, seu bem estar e sua integridade física desse jeito.
Se for difícil, conte para familiares e amigos mais próximos. Tenho certeza de que você terá muitas pessoas ao seu lado para te apoiar e te proteger nesse momento.
E se o cara te trata dessa forma, ele não vale a pena MESMO. Eu te garanto: você não vai estar perdendo nada. Além disso, não caia na ilusão de que você tem a “missão” de consertar este cidadão. Você não é obrigada.
Acima de tudo, o mais importante e que eu destacaria com um marcador colorido e glitter se fosse possível: NÃO É CULPA SUA.
Podem dizer que você foi burra por ter se envolvido com um cara assim, que a culpa foi sua por não ter percebido antes, que a culpa foi sua por ter deixado ele abusar de você, que você foi ingênua, fraca, submissa. Não acredite. Não é verdade. A culpa aqui é do cara que abusou de você, te ameaçou, tentou te controlar ou te agredir. Pro inferno com essa gente que tenta transferir a culpa para quem só se ferrou na história toda.
No mais, se ele te agrediu, continua te ameaçando ou te perseguindo, procure uma Delegacia da Mulher e denuncie.
A vida é curta demais para perder tempo com quem trata você como coisa.
Fonte: https://www.cartacapital.com.br/blogs/escritorio-feminista/como-reconhecer-a-armadilha-de-um-relacionamento-abusivo-1323.html
Tags