Figura 1 – Participação na renda nacional (%) dos 10% mais ricos (barras à esquerda) e dos 10% mais pobres (barras da direita) no Brasil e em países com boa distribuição de renda
A Figura 1 ilustra a participação dos 10% mais pobres e dos 10% mais ricos no Brasil e em países onde a renda é bem distribuída. É necessário observar que a distribuição de renda conta apenas parte da história. O acesso igualitário a serviços públicos de qualidade, como saúde e educação, coisa comum em muitos países e praticamente inexistente no Brasil, atenua as consequências práticas das desigualdades de renda monetária.Muitos dos países europeus, os antigos países socialistas, alguns países asiáticos (Paquistão, Vietnã e Índia,[3] por exemplo), entre outros, são exemplos de países com distribuições de renda boas ou razoáveis. Juntos com o Brasil estão muitos dos países latino-americanos – a má distribuição de renda é uma característica típica dos países dessa região – e africanos. A Tabela 1 mostra os doze países mais desiguais do mundo pelo critério do índice de Gini, todos eles na América Latina ou na África.
Tabela 1 – Os doze países mais desiguais do mundo, de um conjunto de 95 países para os quais há dados posteriores a 2000 disponibilizados pelo Banco Mundial. Índice de Gini, participação na renda nacional dos 10% mais ricos e dos 10% mais pobres e quantas vezes os 10% mais ricos são mais ricos do que os 10% mais pobres em média.
Concentração de renda é algo que se deve combater não apenas pelo sofrimento que causa aos mais desfavorecidos e pelo desperdício dos recursos nacionais que provoca entre os mais ricos, mas também pelas muitas, danosas e graves consequências que tem na vida nacional. Programas de renda mínima, como é o caso do Bolsa Família, e de renda para idosos (que não são dependentes de outras pessoas) ou para pessoas incapacitadas para o trabalho (deficientes ou doentes crônicos) são alguns exemplos de como combater a desigualdade na distribuição de renda. Entretanto, esses instrumentos, que tanto ódio têm provocado nas classes mais privilegiadas – apesar de não tocar nos seus privilégios –, entre aqueles que desconhecem a realidade de outros países e entre os que mimetizam o comportamento das elites, podem ter colaborado para nos tirar do último lugar no quesito concentração de renda, mas ainda nos deixaram entre os países mais desiguais e injustos do mundo. Precisamos de processos de desconcentração de renda mais intensos e mais duradores e entre eles estariam os programas educacionais.O mecanismo pelo qual a educação e a concentração de renda se relacionam e retroalimentam é o seguinte: quanto maior a renda familiar de uma criança ou um jovem, maior é o número de anos de estudo que terá e melhor a qualidade da educação que receberá; de outro lado, quanto melhor a escolarização, maior será sua renda futura. A combinação desses dois efeitos forma um círculo vicioso que contribui para perenizar a atual desigualdade de renda no país.A interdependência entre renda e escolarização de uma pessoa no Brasil é mostrada na Figura 2. Pessoas com menos do que cinco anos de escolaridade, contingente que perfaz perto da terça parte da população, ganham, em média, um salário mínimo ao mês. No outro extremo, pessoas com nível superior completo ganham, também em média, seis vezes mais. (É necessário lembrar que, qualquer que seja o número médio de anos de estudo, há pessoas com maiores ou menores rendas, dependendo da profissão que exercem, do setor no qual trabalham, do tempo de experiência na profissão, da região do país em que vivem, de características individuais etc.) Figura 2 – Renda mensal média em função do número de anos de estudo (linha escura). Qualquer que seja a escolaridade, há uma dispersão da renda; cerca da metade das pessoas tem renda entre as duas linhas mais fracas. Vejamos agora com que intensidade a escolarização de uma criança ou um jovem depende das condições econômicas familiares. Entre os jovens provenientes da terça parte mais pobre da população, completar o ensino fundamental é exceção, ou mesmo, rara exceção. Consequentemente, ocuparão, no futuro, funções com baixa remuneração e seus filhos e dependentes terão baixos níveis educacionais. No outro extremo, boa parte daqueles jovens provenientes da terça parte mais favorecida economicamente conclui o ensino superior. Em comparação com seus colegas mais desfavorecidos, por estudarem por um número maior de anos e por terem frequentado escolas de melhor qualidade,[4] exercerão atividades mais bem remuneradas.Portanto, filhos de pobres serão pouco e mal escolarizados, ocuparão funções mal remuneradas e seus filhos serão mal escolarizados; filhos de ricos são bem escolarizados, terão rendas mais altas no futuro e terão filhos melhor escolarizados. Assim, o sistema educacional brasileiro reproduz as desigualdades atuais e projeta-as para o futuro. Mantida essa situação não pode haver qualquer dúvida de como será o futuro do país no que diz respeito à concentração de renda e às desigualdades regionais.Romper esse círculo vicioso é fundamental. Entretanto, fazer isso implica em melhorar – e muito – as escolas públicas, o que exige recursos financeiros muito maiores do que os atuais, e acabar com subsídios que favorecem a educação dos mais ricos na mesma proporção que prejudica a dos mais desfavorecidos. Mas isso se contrapõeaos interesses das elites econômicas, que não abrirão mão, por bem, de nenhum de seus privilégios, aos quais chamam de direito.Otaviano Helene é Professor do Instituto de Física, presidiu a Adusp (Associação de Docentes da Universidade de São Paulo) por duas vezes. Foi presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e é autor, entre outros, do livro “Um Diagnóstico da Educação Brasileira e de seu financiamento”, Editora Autores Associados.