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Artigo

Conheça Francisco De Oliveira
14/04/2020 Priscila Germosgeschi

A VIDA QUE ELE LEVOU: CHICO DE OLIVEIRA (1933-2019)

O sociólogo, criador do ornitorrinco como metáfora do Brasil arcaico e moderno, dizia que a esquerda revolucionária morrera, mas a reformista não

Plínio Fraga

11/07/2019 - 07:00 / Atualizado em 16/09/2019 - 15:23

O sociólogo Francisco de Oliveira. “Desenvolvimento conservador a partir de rupturas históricas libertadoras”, resumiu. Foto: Paulo Liebert / Estadão Conteúdo

O sociólogo Francisco de Oliveira. “Desenvolvimento conservador a partir de rupturas históricas libertadoras”, resumiu. Foto: Paulo Liebert / Estadão Conteúdo

 

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A Insurreição Praieira de Pernambuco, levante armado de caráter liberal e reno, marcou o final do Brasil Império (1822-1889). Foi a última revolta enfrentada pelo imperador Pedro II, tendo como alvo imediato a elite conservadora de Pernambuco, cujo poder estava concentrado em um punhado de famílias aristocráticas, entre elas os Cavalcantis. À época, uma quadrinha popular expressava o sentimento de revolta diante do poderio da família: Quem viver em Pernambuco/não há de estar enganado/Que, ou há de ser Cavalcanti/ou há de ser cavalgado.

Nascido no Recife, o sociólogo Francisco Maria Cavalcanti de Oliveira, morto em São Paulo na quarta-feira aos 85 anos, foi um dos decanos da intelectualidade brasileira de esquerda. A despeito do sobrenome materno, erigiu sólida interpretação do Brasil a partir do ponto de vista dos cavalgados. De verve ácida, por vezes virulenta, mantinha o bom humor na convivência diária. “Estou descendo a ladeira mais rápido do que desejava”, resumiu a um amigo meses atrás.

Encerrou recentemente uma discussão política sobre a falta de rumo da esquerda brasileira cantarolando um samba do compositor Paulinho da Viola: Tá legal, eu aceito o argumento (...)/Olha que a rapaziada está sentindo a falta de um cavaco, de um pandeiro e de um tamborim. Em suma, dizia que estava faltando reflexão e apego às origens. Manteve um olhar crítico até o fim. Ao ver meninos vendendo alho e flanela nos sinais de São Paulo, apresentava-os não como símbolo do atraso do país, mas sim como prova da forma atroz de modernização escolhida pela burguesia nacional.

Por 30 anos, Chico de Oliveira foi professor titular na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Com seu penúltimo livro, Crítica à razão dualista/O ornitorrinco, venceu o Prêmio Jabuti. No livro mais recente, Brasil: uma biografia não autorizada, compilou sua visão do país.

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Em “O Ornitorrinco”, ensaio recente mais famoso, recorreu ao estranho animal dotado de bico de pato — considerado ao mesmo tempo réptil, pássaro e mamífero — como metáfora do Brasil enquanto nação presa a um impasse evolutivo, que passeia entre o arcaico e o mais moderno, entre a extrema miséria e o luxo ostensivo. Chico de Oliveira dizia que o conceito de revolução estava ultrapassado e que o futuro residia na esquerda reformista.

Os ensaios de Chico de Oliveira insistiam na tese de que a burguesia brasileira preferia a desordem ao constrangimento da negociação social organizada, como lembrou o crítico literário Roberto Schwarz. “Em várias ocasiões Chico acertou na análise quase sozinho, sustentando posições e argumentos contrários à voz corrente na esquerda. O valor dessa espécie de independência intelectual merece ser sublinhado, ainda mais num meio gregário como o nosso. Aliás, o desgosto pela tradição brasileira de autoritarismo e baixaria está entre os fatores da clarividência de Chico.”

Chico de Oliveira trabalhou ao lado de Celso Furtado na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) nos anos anteriores ao golpe de 1964. Preso e liberado pelos militares, partiu para o exílio. Retornou em 1969 para atuar no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) com Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni. Em 1974, foi novamente preso e dessa vez enfrentou a tortura. Nos anos 80 engajou-se na luta pela redemocratização e na criação do PT. Um dos maiores críticos dos governos de FHC nos anos 90, rompeu também com o petismo após o início do governo Lula, em 2003, porque este abraçara as bandeiras neoliberais do sucessor, e filiou-se ao PSOL.

Com ironia fina e visão ampla, era capaz de descrever o desenvolvimento brasileiro com notável síntese: “Uma independência urdida pelos liberais, que se faz mantendo a família real no Poder e transformou-se imediatamente numa regressão quase tiranicida; um segundo imperador que passou à história como sábio e não deixou palavra escrita, salvo cartas de amor um tanto pífias; uma abolição pacífica, que rói as entranhas da Monarquia; uma República feita por militares conservadores, mais autocratas que o próprio imperador. Num registro não sarcástico: desenvolvimento conservador a partir de rupturas históricas libertadoras”.

Fonte: 

https://epoca.globo.com/sociedade/a-vida-que-ele-levou-chico-de-oliveira-1933-2019-23799129

 

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