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Depressão É Mais Comum Entre Brasileiros De 60 A 64 Anos
Depressão é mais comum entre brasileiros de 60 a 64 anos
No país, as pessoas dessa faixa etária são as mais acometidas pelo mal psiquiátrico. Falta de assistência médica e descaso da família são alguns dos responsáveis pelo surgimento da doença no começo da velhice
Tristeza mascarada
Paloma Oliveto
Nos papéis distribuídos pela sociedade, cabe ao jovem ser alegre, ativo e sorridente. Do idoso, espera-se o recolhimento, a melancolia e a tristeza. É como se todo o estoque de contentamento a que tem direito fosse se consumindo ao longo dos anos. Esse estereótipo dificulta a identificação de um problema sério, que tende a se intensificar ainda mais com o aumento da longevidade: a depressão.
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A Pesquisa Nacional de Saúde mais recente, de 2013, identificou que 11,2 milhões de brasileiros sofrem dessa doença, classificada como “crise global” pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Quando agrupados por faixa etária, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram onde ela é mais grave. A faixa dos 60 a 64 anos lidera o ranking, com 11,1% dos indivíduos diagnosticados. De acordo com especialistas, embora comum, porém, a depressão entre idosos está longe de ser “normal”.
“Trabalhos internacionais feitos em países com menor desigualdade socioeconômica mostram o contrário: que há menos depressão, e que a maturidade traz benefícios psicológicos e para o bem-estar”, diz Eduardo Nogueira, pesquisador do Grupo de Pesquisa em Envelhecimento e Saúde Mental e do Núcleo Interdisciplinar de Estudo em Neuropsiquiatria do Envelhecimento da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). “É possível que os nossos idosos estejam apresentando mais depressão devido a estressores psicossociais como pobreza, violência, desagregação familiar e baixo acesso a serviços de saúde. Envelhecer com menos estresse e cuidando da saúde é essencial”, ressalta o psiquiatra.
Uma prevalência que já é alta pode, na realidade, ser maior ainda. Além da associação que se costuma fazer entre velhice e desânimo, um dos sinais mais clássicos da doença nem sempre está presente na terceira idade. “A depressão no idoso pode, às vezes, ser subdiagnosticada porque a tristeza não é seu principal sintoma”, explica a epidemiologista Gabriela Arantes Wagner, professora-assistente do Departamento de Ciências Fisiológicas da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. “Além disso, os idosos, muitas vezes, não estão dispostos a falar sobre seus sentimentos, o que prejudica o diagnóstico. Por essa razão, a abordagem de um profissional especialista e experiente com essa população é tão importante”, destaca a médica, autora do artigo “Tratamento da depressão no idoso além do cloridrato de fluoxetina”, do na Revista Saúde Pública.
Raimunda (à frente), 79 anos, procurou a dança para tratar a depressão
Apatia e negativismo
O psiquiatra gerontólogo Eduardo Nogueira diz que, enquanto a tristeza nem sempre está presente nos idosos deprimidos, há outras características que merecem atenção, como apatia, redução de contato social e negativismo. “Em situações assim, não é incomum ocorrer a depressão sem tristeza, que é menos perceptível para paciente, familiares e profissionais. Ou seja, atenção àqueles idosos que ficaram muito quietos”, ensina. Foi o que aconteceu com a perita criminal aposentada Raimunda de Barros Rebelo Rocha, 79 anos. Sempre muito animada, brincalhona e fã de um shopping center, há três anos ela começou a perder o interesse por tudo. “Não tinha prazer em mais nada. Não ligava nem pra marido, nem pra filho. Não queria mais comer, não queria mais fazer compras. Eu não tinha vontade de morrer, mas também não tinha de viver.”
Raimunda mora com o marido no Park Way e, todas as vezes que ele saía de casa, ela ficava ainda pior. As paredes são de vidro e, ao olhar para fora, a aposentada conta que tinha a sensação de estar encapsulada. “Era uma angústia tão grande que quando eu estava sozinha, gritava, gritava, para ver se aquilo saía de mim. Eu lembrava das coisas terríveis que via quando era perita criminal, como aquelas pessoas que se enforcavam, e pensava: ‘Não vou me suicidar’.” Quando contou ao marido e ao filho o que estava acontecendo, recebeu apoio dos dois. Ela procurou ajuda médica e decidiu se matricular em uma academia, onde há aulas de danças para mulheres acima de 50 anos. Aos poucos, a alegria voltou. “Quando me deu vontade de comprar uma roupa, eu vi que estava boa”, brinca. “Adoro sair. Tenho minhas amigas, danço, jogo baralho e brinco com todo mundo.”
A perda do marido abalou muito Nilça: “Não tenho expectativa”
Viuvez
De acordo com Gabriela Arantes Wagner, mulheres têm risco maior de desenvolverem a doença, principalmente quando há isolamento social, viuvez e histórico de quadros depressivos. A servidora aposentada Nilça Tavares de Albuquerque, 75 anos, conta que sempre se sentiu deprimida. “Isso vem desde criança. Perdi minha mãe aos 5 anos. Quando ela morreu, eu senti um impacto muito grande”, revela a mulher, que já foi diagnosticada também com síndrome do pânico.
Há quatro meses, Nilça ficou viúva. O marido, com quem viveu por quase cinco décadas, morreu 13 dias depois do aniversário de 70 anos. “No dia da festa, ele passou o tempo todo bebendo cerveja e refrigerante. Toda hora ele ia no supermercado comprar manga para confeitar o bolo dele. Confeitou o bolo todinho: botou sol, lua, estrela. Quando deu oito horas da noite, ele apagou”, recorda. Em menos de duas semanas, ele morreu. “Os médicos falam que eu tenho depressão, mas não sei se é isso. Eu só tenho uma angústia; eu choro muito, não quero conseguir parar de chorar por nada.” Nilça não se mostra esperançosa com a vida. “Agora é aguardar a minha hora também. Não tenho expectativa de muita coisa, não. A gente com 75 anos não tem mais muita grandeza no mundo pra passar. Não é só a falta dele (do marido). É a idade da gente.”
Balança desequilibrada
“A depressão é uma das doenças mais frequentes entre idosos. Há situações que ocorrem nessa etapa da vida que inauguram o quadro psiquiátrico. Os sinais já podiam estar presentes no curso da vida, mas na velhice, a pessoa está mais vulnerável em termos de saúde física e social. É um somatório de coisas que vão se agravando. A perda é uma das razões da depressão. Em outras etapas da vida, quando há perdas, você faz um processo de luto. O que acontece na velhice é que é mais difícil haver novas aquisições. Ninguém substituiu o perdido, mas pode se rearrumar. Mas, na velhice, a balança das perdas e ganhos se desequilibra. Na prática geriátrica, a abordagem da depressão tem de ser integrada, não é só farmacológica. Também tem a inserção social. Porque na velhice, você tem problemas como transtorno bipolar, demências e depressão, mas também tem as questões de ordem existencial e psicossocial, como aposentadoria e viuvez. O idoso precisa encontrar novos significados para o momento que estão vivendo.”
Eloisa Adler Scharfstein, psicanalista especialista em gerontologia, integrante da Sociedade Brasileira de Gerontologia e Geriatria
A psicóloga Raquel Cohen, pesquisadora da Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, afirma que a visão pessimista e o desânimo característicos da depressão podem colocar em risco a saúde do idoso. “Ao se sentir assim, ele tem menor probabilidade de ir em busca de tratamento, de mudar hábitos e atitudes que garantam um melhor autocuidado”, diz. Por outro lado, as doenças crônicas comuns na velhice também têm o potencial de influenciar o quadro depressivo. “Por exemplo, um idoso que começa a sofrer de incontinência urinária talvez tenha que se adaptar ao uso de fraldas geriátricas, o que o leva, muitas vezes, a diminuir significativamente a autoestima e sua participação em eventos sociais”, afirma a psicóloga, autora do artigo “Prevalência de sintomas depressivos entre idosos em um serviço de emergência”, do na Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
O tratamento do idoso com depressão deve levar em conta essas particularidades e incluir estratégias além da medicamentosa, alerta a epidemiologista Gabriela Arantes Wagner, que critica o excesso de antidepressivos, como o da fluoxetina. Um levantamento do Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento da Fundação Oswaldo Cruz e da Universidade Federal de Minas Gerais mostrou que, de 1997 a 2012, o consumo de antidepressivos por idosos passou de 8,3% para 23,6%. Para a médica, o abuso nas prescrições reflete despreparo da assistência, falta de suporte social e de acesso aos serviços de saúde.
No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o psiquiatra Eduardo Nogueira destaca, ainda, a sobrecarga dos serviços. “É preciso de um grande investimento em políticas públicas de longo prazo para saúde geral e saúde mental do idoso. Não é possível postergar; experimentamos muitos anos de baixo investimento em saúde no envelhecimento; particularmente a saúde mental do idoso foi ainda mais desinvestidas, embora essencial”, defende o médico, autor do artigo “Rastreamento de sintomas depressivos em idosos na Estratégia Saúde da Família, Porto Alegre”, do na Revista Saúde Pública.
Fonte: http://especiais.correiobraziliense.com.br/depressao-e-mais-comum-entre-brasileiros-de-60-a-64-anos