Artigo
Efeito Google
"Efeito Google" transforma internet em memória auxiliar; especialistas não veem problema
Ana Ikeda Do UOL, em São Paulo 24/08/2012 06h00
Se você usa a internet com tanta frequência e intensidade, talvez sinta o “drama” que será descrito a seguir. Você já não lembra mais a data de aniversário daquele amigo do colégio. Não sabe o nome da rua daquele restaurante que gosta e quer indicar ao colega de trabalho. E como era mesmo o nome daquela atriz... naquele filme... que acabou de passar no cinema? Mas, certamente, você sabe bem onde encontrar todas essas informações. Facebook, Google, Twitter, IMDB: basta buscar pela palavra-chave. Estamos ficando sem memória? Mais burros?
Fique aliviado: especialistas consultados pelo UOL Tecnologia dizem que ainda não.
Uma pesquisa da Universidade de Columbia indica que as pessoas estão cada vez mais dependentes dessas informações armazenadas no mundo online. É como se usássemos o Google, por exemplo, como uma memória externa auxiliar. A psicóloga Betsy Sparrow teve a ideia de fazer esse estudo justamente quando não conseguiu se lembrar do nome de uma atriz ao ver um filme – e recorreu imediatamente ao smartphone para procurar a informação online.
Durante os experimentos para testar a memória de estudantes “cobaias”, Betsy dizia a uma parte do grupo que as informações fornecidas a eles seriam guardadas no computador, enquanto à outra parte dizia que seria apagada. Depois, aplicava testes para saber o quanto eles se lembravam delas. Os estudantes que não podiam recorrer ao computador se lembravam de mais informações que os que tinham acesso a ele. Porém, esse segundo grupo, quando perguntado sobre onde estavam as informações salvas no PC, respondiam de forma correta facilmente.
Assim, Betsy chegou à conclusão de que as pessoas tendem a lembrar onde podem encontrar informações que precisam quando não são capazes de lembrar das informações em si – o chamado “Efeito Google”. “Nós nos tornamos dependentes dos gadgets conectados no mesmo grau que dependemos do conhecimento obtido de nossos amigos e colegas de trabalho – e que perdemos sem manter contato com eles. Nós temos que nos manter conectados para saber o que o Google sabe”, escreveu Betsy, em um artigo do na revista “Science”.
A dependência dessa “memória externa” não significa de maneira nenhuma, diz Katty Zúñiga, terapeuta do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática (NPPI) da PUC-SP, que estamos ficando “desmemoriados” ou mais burros. “Pelo contrário, estamos tendo uma capacidade maior de memória e, de certa forma, usamos a internet como um auxiliar”, diz.
Como exemplo, Katty explica que essa situação é semelhante à das crianças na escola. Elas já não precisam decorar datas, nomes e locais, como antigamente, mas sim compreender conteúdos em toda a sua extensão. “Dados factuais são coisas que podem ser encontradas, seja no Google, seja em um livro. O que é importante é saber como encontrar e principalmente como usar essa informação. E a pesquisa de Columbia dá suporte a isso.”
Katty frisa que não se trata de ficar “mais burro ou preguiçoso”, mas de reorganizar a maneira como guardamos informações. “As pessoas desenvolveram mecanismos cerebrais de usar mais eficientemente as ferramentas que tinham disponíveis. No final das contas, o cérebro passou a ser usado para a atividade mais nobre, que é raciocinar sobre os fatos, do que simplesmente armazená-los”, completa.
Essa dependência da internet também influencia nossos relacionamentos – para o bem, considera Katty. A probabilidade de você esquecer a data de um aniversário e dar os parabéns a um amigo é bem menor para quem acessa todo dia o Facebook. “Os nossos relacionamentos, tanto amorosos quanto de amizades, não estão sendo prejudicados. Pelo contrário, a internet é um grande facilitador. E o Facebook, assim como eram as nossas agendas de aniversários de papel, é apenas um instrumento de apoio.”
Memória bagunçada
Se o “Efeito Google” não afeta nossa memória nem inteligência, por que ainda recorremos à internet ao tentar lembrar coisas simples? Segundo Alberto Dell'Isola, psicólogo e detentor de dois recordes latino-americanos de memorização, o problema é que nossa atenção está cada vez menos seletiva: tentamos fazer várias coisas ao mesmo tempo, sem nos concentrarmos em uma tarefa principal. O cérebro, que deveria selecionar as informações importantes e ignorar as irrelevantes, acaba “bagunçando” ambas.
“A geração Y [a geração da internet] está cada vez mais superficial. Ela quer as coisas imediatamente, não participa mais de processos em grupo e, pior, faz várias tarefas ao mesmo tempo. Mas nosso cérebro não é preparado para ser multitarefa”, explica.
Dell'Isola é autor de livros com técnicas de memorização, mas diz que não existe um segredo para memorizar. “Nossa memória visual e espacial é melhor que a memória de trabalho, que lida com dados”, comenta, acrescentando que guardar alguma informação (como por exemplo, a data de aniversário daquele seu amigo) fica mais fácil se você combiná-la com uma imagem e um local.
Mas o mais importante, antes de tentar gravar algo, é despertar o seu interesse para essas questões, diz o especialista em memorização. ''Homens em geral não lembram as datas porque não se preocupam com isso, já as mulheres, sim. Primeiro, tem que ter interesse.”
Treine o cérebro
As técnicas de memorização, por mais simples que pareçam, podem ser tentadas por qualquer pessoa. Foi o caso do jornalista americano Joshua Foer. Especializado na área de Ciência, Foer acompanhou o Campeonato Nacional de Memorização dos Estados Unidos para escrever um livro sobre os “mentatletas”. Mas conforme entrevistava esses “atletas da mente”, decidiu que ele mesmo iria (tentar) aprender as técnicas de memorização. Ficou um ano buscando dicas com os entrevistados e treinando. Para saber se realmente tinha conseguido se tornar um mentatleta, se inscreveu no campeonato nacional. E ganhou. Em vez de uma reportagem, Foer escreveu o livro "A Arte e a Ciência de Lembrar Tudo: Memória (ROCCO)".
Quem quiser se arriscar na tarefa de memorização de datas, sugere Dell'Isola, pode tentar associar o dia do mês a um personagem e o mês em si a um local. Por exemplo: o aniversário do João é dia 13 de março. O dia 13 vira Jason; março vira Marte. Agora, capriche na sua criatividade e imagine a uma cena completa: “João está lutando contra o Jason lá em Marte” (veja tabela). Quanto mais detalhada a imagem (e absurda a história inventada), melhor.
Outra dica para quem tenta lembrar informações em geral, como por exemplo o nome de alguém – como a pesquisadora Betsy Sparrow, que esqueceu como se chamava uma atriz – é começar a busca com palavras que se encaixam naquela mesma categoria. Por exemplo: Como é mesmo o nome daquela ex-mulher do cantor Roberto Carlos que já foi atriz? Dell'Isola afirma que a memória precisa de algum gatilho, então, pense no cantor, na fisionomia dele, em um show que tenha feito, uma entrevista, etc. A probabilidade de você se lembrar que ela chama Miriam Rios é maior.
O detalhe é que nem sempre a informação buscada é lembrada naquele instante em que você tentou fisgá-la da memória – principalmente quando ocorre “aquele branco”. “É como se fosse um download, demora um tempo para ser feito.” Então, em vez de continuar insistindo naquela lembrança e acabar por bloqueá-la por completo, vale partir para outra tarefa. Muitas vezes, já distraído, surge a informação que procurava no seu cérebro.