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Artigo

Engenharia Genética Frente Ao Princípio Da Dignidade Da Pessoa Humana E Suas Implicações Ético-Jurídicas
04/03/2020 Não informado

Engenharia genética frente ao princípio da dignidade da pessoa humana e suas implicações ético-jurídicas

01/04/2015

Resumo: A engenharia genética é um campo novo e, por isso, pode apresentar pontos positivos e negativos para espécie humana. Seus intensos avanços impõem reflexões acerca de determinadas descobertas científicas cuja utilização de experiências com seres humanos se demonstre contrária à dignidade do homem. A ciência deve ter como paradigma a respeito aos direitos da personalidade com vista à proteção da dignidade humana, à vida, a integridade física e moral de ser humano, ainda que em potencial, bem como a responsabilidade civil do ofensor. Conforme disposto no § 1º do art. 1º da Constituição da República de 1988, a dignidade do homem é inviolável. A Lei Fundamental reclama a ponderação do avanço científico para fins de eugenia e todo tipo de técnicas que tenham finalidade experimental colocando em risco a vida do homem em razão dessa dignidade humana. A engenharia genética traz em seu bojo algumas questões polêmicas, merecedoras de uma reflexão minuciosa e atenta por parte dos juristas e aplicadores do direito para se verificar em que medida está sendo atingida a dignidade humana e em que medida os responsáveis responderão pelos danos causados. Nesse objetivo, indaga-se até que ponto o abuso ou uso eticamente inaceitável de uma pesquisa ou manipulação genética poderia eliminar o seu uso se considerado o benefício para os demais membros de uma sociedade e seu estrito regulamento para o bem comum. Não obstante, far-se-á uma análise acerca da vulnerabilidade dos seres humanos em face das pesquisas, experiências e manipulações genéticas e um alerta sobre os limites ético-jurídicos deste conhecimento, evitando que a sociedade seja induzida a aceitação da eugenia. Assim, o presente trabalho se propõe a abordar algumas discussões acerca da engenharia genética e suas perspectivas genéticas, éticas e jurídicas, frente à aplicação do princípio da dignidade humana, uma vez que as pesquisas e manipulações genéticas tendem a modificação do patrimônio hereditário do ser humano desencadeando a discriminação genética.[1]

Palavras-chave: Engenharia Genética. Dignidade da Pessoa Humana. Bioética. Biodireito. Vida. Experiência Científica.

Abstract: Genetic engineering is a new field so, it can have positive and negative points for the human species. Its intense advances require reflection about certain scientific discoveries which use human beings experience is demonstrated contrary to the dignity of man. Science should have as a paradigm the personality rights in order to protect human dignity, life, physical and moral integrity of human beings, albeit potential, as well as the civil liability of the offender. Pursuant to the § 1st of the art. 1st of the Brazilian Constitution of 1988, the dignity of man is inviolable. The Constitution claims for the consideration of scientific advancement for the purpose of eugenics and all sorts of techniques that have experimental purposes endangering human life because of this human dignity. Genetic engineering brings with it some controversial  issues worthy of a thorough and careful reflection on the part of lawyers and law enforcers to verify what extent is being affected human dignity and to what extent those responsible liable for damages caused. In this goal, we look into the extent to which the abuse or ethically unacceptable use of a research or genetic manipulation could eliminate its use is considered the benefit to other members of a society and its strict regulation for the common good. Nevertheless, it going to be made an analysis of the vulnerability of human beings in face of researches, experiments and genetic manipulations and a warning about the ethical and legal limits of this knowledge, avoiding society to be induced to the acceptance of eugenics. So, this paper aims to address some discussions about genetic engineering and its genetics, ethical and legal perspectives, involving the application of the principle of human dignity, since the researches and genetic manipulations tend to modify the birthright of the human being triggering genetic discrimination.

Keywords: Genetic Engineering. Dignity of the Human Person. Bioethics. Biolaw. Life. Scientific experience.

Sumário: 1. Nascimento da genética5. 2. Engenharia genética e o princípio da dignidade humana.8. 3. Genômica e medicina. 4. Manipulação genética e o “admirável mundo novo”. 5. Utilização de embriões na pesquisa genética. 6. A busca da perfeição humana e genética. 7. Genética, bioética e biodireito. 8. Proteção ao patrimônio genético e direito à vida. 9. Experiência científica em seres humanos. 10. A responsabilidade nas pesquisas genéticas. 11. Conclusão. Referências.

1 Nascimento da genética

No ano de 1900 ocorreu a explosão do conhecimento genético com a redescoberta do trabalho fundamental de Gregor Mendel após uma série de estudos e experiências nas áreas da citologia, embriologia, microbiologia que serviu de embasamento para as descobertas científicas. Em 1953 com os esclarecimentos da estrutura do DNA por James D. Watson e Francis H. C. Crick iniciou-se a era moderna da genética, mas somente no ano de 1961 é que o código genético foi decifrado. Finalmente em 1995 foram descritos os primeiros sequenciamentos completos de determinados organismos. Em 2001 foi anunciado o sequenciamento do genoma humano.

O desencadeamento da investigação genética e seu ritmo acelerado faz surgir a genômica, ou seja, o estudo da estrutura e funcionamento do material genético total (genoma) de um organismo.

Derivada da raiz grega “gen”, a palavra genética foi empregada para designar o estudo da hereditariedade e da variação dos seres vivos. Como um ramo da biologia, a genética iniciou os estudos das semelhanças e diferenças entre indivíduos de uma mesma linhagem durante várias gerações.

A genética tem avançado muito e com muita rapidez nos últimos anos, apresentando grandes descobertas e repercussões para a vida humana.  A manipulação genética é um campo vasto, entre tantos que se abrem, podendo resultar em um bem ou um mal para a humanidade, daí ser extremamente importante que os milagres da ciência sejam canalizados para o bem estar do homem.

Segundo CLEMENTE (2004)[2], embora aparentemente a genética possa intervir na vida humana apenas positivamente, deve-se atentar para uma possível repercussão negativa.

O progresso descomedido e rápido da engenharia genética impõe aos juristas enormes desafios para compatibilizar as conquistas cientificas com a preservação dos direitos da personalidade e da dignidade do ser humano. O direito não pode ficar alheio às inovações cientificas, devendo regulamentar os fatos sócias que delas emanam.

Diante dos milagres oferecidos pela manipulação genética, deverá a humanidade percorrer novos caminhos para colocar todo avanço científico a serviço do homem preservando a sua dignidade. As técnicas da engenharia genética e suas implicações éticas e legais despertaram grande interesse e curiosidade na sociedade, suscitando o debate acerca de juízos de valores e a reformulação de conceitos já pacificados.

A UNESCO emitiu a Declaração Universal do Genoma Humano com a intenção de proteger os direitos humanos de possíveis violações, vinculadas com certas técnicas de investigação genética.

As doenças caracterizadas como tendo componente genético trazem consigo inúmeros dilemas éticos, por isso, as investigações na área da engenharia genética devem orientar-se no sentido de aliviar o sofrimento do indivíduo e melhorar a saúde de toda humanidade. Os avanços científicos devem se preocupara com a responsabilidade e os limites para o tratamento de doenças a partir de técnicas de engenharia genética.

A grande notícia da finalização da primeira versão de todo o genoma humano foi cumprimentado pela mídia com diversas especulações. Problemas legais, sociais e éticos surgiram em função do lançamento do programa do genoma humano como as questões que envolvem a privacidade e confidencialidade, discriminação baseada na quebra do sigilo genético, testes pessoais que indiquem suscetibilidade a doenças que irão ocorrer no futuro, para as quais não há cura, e por fim questões acerca da terapia gênica limitada ao tecido somático ou estendida ao tecido germinativo.

Ás esperança de cura somam-se a possibilidade de cerceamento de liberdade e o aumento da opressão racial e étnica.  Surgem, então, novos debates em que a sociedade traz à baila á discussão de novos conceitos como eugenia positiva e eugenia negativa.

Segundo GOMES e SORDI (2001)[3], no primeiro caso, a dignidade da pessoa humana assumiria um caráter axiológico indelével. De outra parte, a eugenia negativa refere-se a situações nas quais não se tenta mitigar o defeito genético, mas – e exclusivamente – evitar sua reprodução. Poder-se-ia apontar como exemplo dessa prática o homicídio ou infanticídio de recém-nascidos portadores de defeitos genéticos ou disformes, aborto eugênico, controle de natalidade, impedimento de uniões procriativas de indivíduos com alto risco genético, etc.

Na lição de FÉO (2005)[4], enquanto a eugenia negativa visa eliminar características indesejáveis impedindo sua transmissão, a positiva visa promover características desejáveis, estimulando sua transmissão – esta nos traz o risco de "buscar uma purificação da espécie" como aconteceu nos campos nazistas na Alemanha de Hitler.

Nesse compasso, a era genômica foi marcada pela transição e a incerteza. De um lado questionava-se a possibilidade da eugenia, discriminação, clonagem total ou parcial de seres humanos, etc., e, por outro lado, a cura de doenças de origem genética com a descoberta do genoma humano que possibilitaria a realização de tratamentos mais detalhado da fisiologia de cada pessoa, uma vez que o código genético de cada pessoa determina, em muitos casos, sua reação a um medicamento.

2 Engenharia genética e o princípio da dignidade humana

O art. 1º, III, da Constituição da República de 1988 dispõe acerca da dignidade da pessoa humana, assentando-a como fundameno primordial da atividade do Estado, o que significa que o ser humano é o centro de toda atividade pública no Estado Democrático de Direito. 

Nos últimos tempos, alguns juristas, doutrinadores e cientistas, pautados na Constituição de 1988, fizeram nascer um caloroso debate em torno da engenharia genética e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, em especial, vedando e condenando toda prática que lhe for contrário.

Na lição de CLEMENTE (2004)[5], a engenharia genética é a tecnologia utilizada para modificar o material genético de células ou organismos com objetivo de fazê-lo capaz de produzir novas substâncias ou realizar funções.

Ainda segundo a autora, a engenharia genética é um dos setores da biotecnologia que mais avança nos últimos tempos. Têm-se dessa forma, dois conceitos, um lato sensu: conjunto de formas de manipulação e de alteração genética de um organismo vivo (técnicas de reprodução assistida, manipulação de embriões), e outro stricto sensu: a engenharia genética baseada no conhecimento da estrutura físico-química do material hereditário (DNA) e do seu funcionamento.

O conjunto de normas jurídicas aplicadas à engenharia genética cujo objetivo incide sobre a proteção à vida funda-se no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Assim, toda discussão ético-jurídica sobre a viabilidade das pesquisas e manipulações genéticas, bem como a elaboração de novas leis acerca do tema devem se pautar na dignidade humana e na proteção à vida.

DINIZ (2006)[6], explica que, para o controle das atividades voltadas á engenharia genética, além dos Comitês de Bioética, imprescindível é a criação não só de instituições que supervisionem o emprego de tais técnicas, concedendo ou suspendendo licença para sua implantação conforme o risco apresentado, pois não podem vulnerar bens valiosos para a comunidade, mas também de normas destinadas à proteção jurídica de gametas e embriões humanos, penalizando-se os desvios não desejáveis, bem como sua comercialização, e ao reconhecimento do direito de todo ser humano de ter um patrimônio genético não manipulado artificialmente, preservando sua vida privada e dignidade (Constituição da República, arts. 1º, III, e 5º, caput). Somente assim, poder-se-a proteger o ser humano dos perigos potenciais da manipulação genética e da experimentação, ou seja, de técnicas de engenharia genética que caiam sobre o DNA humano, compreendendo tanto a análise molecular do genôma quanto a utilização de genes humanos e a manipulação de células humanas, de substâncias embrionárias ou de seres humanos.

Segundo SARLET (2008)[7], tem-se por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Leciona ANDORNO (2009)[8], no plano jurídico, poder-se-ia dizer que a dignidade constitui o "direito inderrogável por excelência" mesmo quando stricto sensu não seja ele mesmo um direito, senão a fonte de todos os direitos. A dignidade é ao contrário uma realidade pré-jurídica que precede e dá fundamento ao ordemaneto jurídico em todo seu conjunto.

Apesar da dificuldade para definir a dignidade humana, pode-se dizer que, este termo, se faz referência ao valor único e incondicional que tem a existência de todo ser humano, independentemente de qualquer "qualidade acessória" que pudesse corresponder por razões de idade, estado de saúde física ou mental, origem étnica, sexo, condição social ou econômica ou religião. É sua condição humana como tal o que gera um dever de respeito para com o indivíduo, sem que seja exigível nenhum outro requisito adicional. A liberdade encontra no respeito à dignidade humana o critério determinante de sua legitimidade.

Ainda o mesmo autor (2009)[9], porém, a dignidade humana também pode ser entendida, não em relação aos indivíduos atualmente existentes, senão também em relação à humanidade como tal, incluindo as gerações futuras. Este significado tem ganhado força nos últimos anos em razão de certos desenvolvimentos tecnológicos que geram sérios riscos para a existência da identidade da humanidade (por exemplo, clonagem reprodutiva e engenharia genética humana). O raciocínio que serve de base a esta noção extensiva de dignidade é o seguinte: se cada ser humano possui um valor intrínseco, pode sustentar-se que o gênero a qual pertencem (a humanidade) também possui um valor inerente. Este conceito amplo de dignidade exige, por um lado, a preservação de um meio ambiente sustentável para aqueles que nos sucederem (tarefa que incumbe à ética do meio ambiente) e, por outro lado, a proteção da integridade e identidade do gênero humano (tarefa da bioética).

Neste sentido, ressaltam-se as duas únicas normas da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos de 1997 que qualificam práticas concretas como "contrárias à dignidade humana" empregam a noção de dignidade humana neste sentido amplo. Trata-se do artigo 11, que condena a clonagem de seres humanos com fins de reprodução, e do artigo 24, que desaprova as intervenções na linha germinal humana.

O discurso da liberdade de pesquisa e o progresso da ciência acabam por instituir na sociedade o desejo de uma espécie perfeita e a busca por seres humanos selecionados, por isso, faz-se necessário impor limites à engenharia genética, frear os avanços que violam a dignidade humana quando tais avanços se apresentarem como verdadeiras práticas de eugenia.

O que se repele é o abuso das pesquisas e manipulações genéticas, onde se demonstra claramente a sobreposição dos interesses econômicos, discriminatórios, gerando verdadeiras práticas de atividade eugênica.

Daí a importancia de se criar limites ético-jurídicos que podem ser criados, estruturados dentro do fundamento da dignidade humana, para as práticas de pesquisas e manipulação genética de modo que possam proteger o ser humano dos abusos e ao mesmo tempo promover a saúde e o bem estar da sociedade.

O avanço do desenvolvimento científico através de pesquisas e manipulação genética reclama da sociedade uma rediscussão de natureza axiológica, de modo que devemos estar conscientes das consequências que podem advir desta nova revolução tecnológica ao buscar o ser humano perfeito, coisificando-o.

A sociedade deve estar atenta a esta nova realidade, buscando a efetivação e o aprimoramento de um instrumental ético-jurídico estruturado dentro do fundamento da dignidade humana, para frear as práticas abusivas na manipulação genética quando demonstrada à sobreposição dos interesses econômicos e discriminatórios, verdadeiras práticas de atividade eugênica.

O direito não poderia ficar alheio a tantas inovações científicas, a busca desenfreada pelo conhecimento científico equiparando o ser humano a um objeto sob o discurso de atender aos interesses da sociedade, ou a busca da cura de várias doenças, diciplinando os fatos sociais advindos com o progresso na manipulação génetica sem se posicionar acerca da responsabilidade civil do ofensor pelos danos causados as pessoas. 

Devem ser propostos limites ético-jurídicos para que o poder do conhecimento científico seja exercido de forma controlada considerando um sistema de regras e valores que permitam aproximar as ciências da vida ao direito e a ética. Desse modo, os avanços na área biomédica poderão abrir imensas oportunidades de aplicação na saúde humana se forem desenvolvidos sistemas que estabeleçam regras, procedimentos e padrões assegurando um comportamento ético, equidade, justiça e o respeito à dignidade humana.

O direito e a ciencia devem se entrelaçar para uma análise crítica, dentro de um enfoque biológico, considerando nosso ordenamento jurídico, compatibilizando toda e qualquer conquista científica com a preservação dos direitos da personalidade e toda a dimensão da dignidade humana.

Embora a engenharia genética aparentemente venha interferir na vida do homem de forma positiva, não há como negar uma repercussão negativa. O grande problema está nos padrões utilizados nas pesquisas que nem sempre são éticos e morais.

A liberdade de pesquisa não pode ser considerada como uma regra plena, irrestrita e total. O ponto de equilíbrio deve ser buscado no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, valor estruturante do Estado Democrático de Direito.

Esclarece DINIZ (2006)[10], que, se faz necessária uma “biologização” ou “medicalização” da lei, pois não há como desvincular as “ciências da vida” do direito. Assim, a bioética e o biodireito caminham pari passu na difícil tarefa de separar o joio do trigo, na colheita dos frutos plantados pela engenharia genética, pela embriologia e pela biologia molecular, e de determinar, com prudência objetiva, até onde as “ciências da vida” poderão avançar sem que haja agressões à dignidade da pessoa humana, pois é preciso evitar que o mundo deságue numa crescente e temível “confusão diabólica”, em que os problemas da humanidade sejam “solucionados” pelo progresso tecnológico.

Cabe expor, nesse passo, que a engenharia genética e toda e qualquer experiência cientifica não está dispensada de observar as regras e aos preceitos de justiça solidariedade e promoção do bem de todos na sociedade. Deve-se prevalecer, portanto, a proteção dos direitos humanos e a cooperação entre os povos para que não haja submissão a tratamento desumano e degradante e acolhendo como princípio fundamental e absoluto a dignidade da pessoa humana.

De acordo com GOMES e SORDI (2001)[11], ideias eugênicas projetam a sombra de dúvida, chegando ao limite de se criar pedigree para seres humanos. Conceitos como de eugenia positiva e eugenia negativa passam a ocupar o espaço dos debates à respeito do tema.

Explica ainda, as autora (2001)[12], nesse compasso, salienta-se que tanto o Projeto Genoma como outros importantes empreendimentos exigirão uma discussão séria para evitar que os princípios bioéticos definidos pelos países ricos se sobreponham aos demais países, que vivem realidades diferentes, que terão de ser respeitadas, caso contrário, os países mais pobres seriam apenas territórios de experiências, sem acesso aos benefícios dos novos projetos científicos.

Para COAN (2001)[13], assim, a pessoa- digna e íntegra pela sua própria existência única e ao mesmo tempo partícipe do mundo- deve ser respeitada e preservada em seu destino de continuar vivendo – com saúde – nas suas manifestações mais altas e sacras, como medida de todas as coisas, da Medicina e do Direito substancialmente.

Cabe lembrar ainda que, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana consagrado no art. 1º da Constituição de 1988 aplicado juntamente com o Principio da Inviolabilidade do Direito à Vida disposto no art. 5º da referida Constituição, prevê a proteção jurídica da dignidade pessoa humana em face dos progressos nas pesquisas genéticas.

O direito à vida está garantido pela norma constitucional em cláusula pétrea (art. 5º), que é intangível por força do art. 60 § 4º da Constituição da República de 1988.  O direito à vida deve ser respeitado ante a prescrição constitucional de sua inviolabilidade absoluta. Seria inadmissível qualquer comando legal no sentido de legalizar a prática indiscriminada de pesquisas e manipulação genética.

É preciso repudiar o conhecimento cientifico que estimule praticas de eugenia e discrimine os portadores de um patrimônio genético diferente ao de uma classe desejada pela ditadura cientifica para produção de seres humanos selecionados e perfeitos. Por certo que deve ser analisado o caso concreto, para que a engenharia genética, como ciência da vida, caminhe junto ao principio da dignidade humanidade. 

Na lição de GOMES E SORDI (2001)[14], os cientistas chamam o genoma de retrato de quem somos nos colocando em relação direta com o resto da natureza. É a evolução exposta, de forma que todos possam ver, onde não há maiores diferenças entre a espécie humana e o resto d natureza. Nessa medida dir-se-ia que o DNA é a imagem cientifica do ser humano.

No Brasil com o advento da Constituição da República de 1988 o patrimônio genético passou a ter tratamento jurídico, objetivando, assim, a garantia e conservação da espécie humana em toda sua dignidade. Por fim, verifica-se que a engenharia genética apresenta aspectos tão otimistas quanto pessimistas se não for utilizada para o bem da humanidade, devendo, portanto, ter como fundamento último a proteção da dignidade da pessoa humana.

Genômica e medicina

A descoberta e o desenvolvimento do Projeto Genoma Humano (PGH) representou uma grande mudança para a realização de pesquisas e possibilitou o conhecimento mais detalhado na fisiologia de cada pessoa para o seu tratamento através de determinados procedimentos e medicamentos.

Ensina PENA (2004)[15], no dia 14 de abril de 2003, foi enunciado o fim oficial do projeto genoma humano (Sanger Institute, 2003). Mais de 99% dos 2,9 bilhões de pares de base que constituem a porção eucromática do genoma humano estão sequenciados com uma exatidão superior a 99,9%. Há, ainda, mais ou menos 300 milhões de pares de base da heterocromatina, principalmente pericentromérica, que não serão sequenciados, pois não contêm informação genética. A data, abril de 2003, foi escolhida para coincidir com o 50º aniversário da ção, na revista Nature, do modelo da estrutura do DNA por James Watson e Francis Crick, que ocorreu em 25 de abril de 1953.

Ainda o mesmo autor (2004)[16], do ponto de vista médico a importância do término do projeto genoma humano só pode ser comparada à ção do primeiro tratado cientifico completo de anatomia humana, De Humanis Corporis Fabrica, por Andreas Vesalius em 1543. Este livro apresentou o alicerce sobre o qual foi construído todo o edifício da medicina ocidental. O conhecimento anatômico propiciou o florescimento lento e gradual da fisiologia, da patologia e da farmacologia humanas nos séculos subsequentes à ção do livro de Vesalius. Nesse sentido, a ção do tratado De Humanis Corporis Fabrica constituiu o ponto de partida para a construção da medicina moderna. Da mesma maneira, temos agora o conhecimento anatômico completo do genoma humano. Nas próximas décadas, florescerão a fisiologia genômica, a patologia genômica e a farmacologia genômica. O conhecimento da anatomia do genoma humano representa, assim, apenas o ponto de partida de construção da medicina genômica.

Paralelamente ao progresso no sequenciamento do genoma humano, houve a detonação de novos conhecimentos em genética médica molecular. Todavia, a busca incansável pela cura de determinadas doenças e o discurso em prol da felicidade através da perfeição humana somaram-se a graves problemas éticos.

Segundo GOMES e SORDI (2001)[17], vivemos em uma época de transição e incerteza. A possibilidade da eugenia, discriminação, clonagem total ou parcial dos seres humanos e, por outro lado, a cura de doenças de origem genética, patentes de genes humanos são questionamentos que vieram à baila com a revolução introduzida pelas técnicas de engenharia genética, culminando com o Projeto Genoma Humano (Hugo – Human Genome Organization). Concepções aparentemente inalteráveis, como a essência do próprio ser humano, estremecem nas bases.

É importante enfatizar que a genética médica molecular, que se limitava a diagnosticar as doenças mendelianas em nível do DNA, sofreu profunda transformação com os conhecimentos derivados das chamadas ciências “ômicas”, transformando-se na medicina genômica.

Na lição de PENA (2004)[18], agora que terminou o sequenciamento genômico do homem e dos principais organismos, estamos prestes a sofrer uma drástica mudança e dar um salto qualitativo na capacidade de criar e utilizar o conhecimento “ômico” na práxis da medicina genômica. Estas novas tecnologias têm permitido não só a aquisição de novos dados, mas também, através das novas ferramentas bioinformáticas, permitindo a prospecção dos bancos de dados para pista de novas estratégias diagnósticas e terapêuticas. Através dos bancos de dados, rapidamente completaremos o catálogo das doenças mendelianas. Todos os genes humanos, quando mutados, são potencialmente genes causadores de doenças, e assim, vamos caracterizar novas entidades mórbidas e novas vias patogenéticas a partir do conhecimento da estrutura e função de todos os genes. A ênfase aqui não é mais apenas na estrutura gênica (genômica estrutural), mas também na sua função e regulação (genômica funcional). Em tempo, uma nova fisiologia molecular permitirá o florescimento da fisiopatologia molecular. Munidos deste conhecimento, poderemos, então, enfrentar o desafio das doenças multifatoriais como componente genético poligênico, que constituem a grande maioria da carga mórbida humana, como no câncer e doenças cardiovasculares, nutricionais, infecciosas e degenerativas. A medicina preditiva, baseada no diagnóstico das predisposições, passará a ser rotina. Paralelamente, novos dilemas bioéticos emergirão, pois infelizmente a nossa capacidade de prevenir ou tratar doenças estará sempre atrasada com relação ao nosso poder de diagnosticá-las.

Segundo MOREIRA-FILHO (2004)[19], a genômica pode ser definida como o estudo experimental das funções e interações de todos os genes do genoma, bem como da interação dos genes com fatores ambientais, e não apenas dos genes e seus efeitos isoladamente. A abordagem genômica é, portanto, aplicável ao estudo das doenças complexas e multifatoriais, causadas pela interação de fatores genéticos, ambientais e comportamentais. Estas são as doenças de maior prevalência de alto impacto em termos de mortalidade e ou morbidade, como o câncer, as doenças cardiovasculares e cerebrovasculares bem como as doenças neurológicas e neurodegenerativas. Para a identificação e avaliação da magnitude dos diferentes fatores de risco nas doenças complexas – essencial ao desenvolvimento de estratégias efetivas de diagnóstico, prevenção e tratamento – é preciso articular a genômica com estudos clínicos e epidemiológicos. Essa condição nem sempre tem sido adequadamente observada na moderna pesquisa biomédica.

Não se pode olvidar que o diagnóstico de doenças genéticas usando teste genômico alcançou avanços espetaculares, como por exemplo, as técnicas de clonagem posicional que permitiu a descoberta de um número significativo de genes, a identificação de genes envolvidos em doenças comuns, tais como o câncer e doenças cardiovasculares. Estas novas tecnologias têm permitido a prospecção de bancos de dados para pistas de novas estratégias diagnósticas e terapêuticas.

Temos uma linha limítrofe entre os aspectos positivos e negativos da era genômica. Independentemente do progresso científico, temos que o genoma humano deve ser totalmente protegido eis que representa a identidade do ser humano. O genoma humano está inserido dentro dos direitos da personalidade.

Para GOMES e SORDI (2001)[20], p. 172) seu fundamento último é a proteção da dignidade da pessoa humana, entendida como ser uno e indivisível. Assim, engloba a ausência de manipulação de genes (ressalvadas as hipóteses de terapias genéticas posto que não s enquadra no conceito strictu sensu de manipulação e, desde que circunscrita ao indivíduo submetido ao tratamento) e o respeito ao meio ambiente natural em que esse vai se expressar.

De posse do genoma passou-se a entender de forma mais detalhada os mecanismos de instalação e progressão de doenças, bem como as variações genômicas de cada pessoa, por isso, é imperativo de justiça que a genômica seja pautada nos princípios de direito á vida, dignidade da pessoa humana, liberdade e igualdade.

A preocupação com a prevenção das enfermidades e o crescente conhecimento da população sobre a influência da engenharia genética na saúde e na doença tem se tornado cada vez mais relevante.

Leciona GIUGLIANI (2004)[21], que, as informações obtidas, ao longo das últimas décadas sobre o genoma humano, e que culminaram com a conclusão de seu sequenciamento, contribuíram para intensificar a procura de informações sobre o diagnóstico precoce e prevenção das doenças geneticamente determinadas. Nesse contexto, o aconselhamento genético tem enorme tarefa de integrar o conhecimento cientifico à vida daqueles que procuram informações sobre determinada condição genética, ajudando-os a compreender esse conhecimento e traduzi-lo da melhor maneira possível em seu benefício.

Segundo ASHTON-PROLLA (2004)[22], uma das maiores promessas da medicina genômica é a prevenção de doenças genéticas ou de suas consequências através do diagnóstico precoce (muitas vezes, pré-sintomático/preditivo) dos indivíduos em risco. Em algumas áreas da genética clínica, como, por exemplo, o diagnóstico de preposição hereditária ao câncer e erros inatos do metabolismo, a utilização das informações genômicas para o diagnóstico precoce, diagnóstico preditivo e prevenção da doença e/ou suas consequências já é uma realidade. Porém, essa nem sempre é uma atividade inócua, e provavelmente ainda é cedo para medir os riscos relacionados ao impacto psicológico das informações geradas.

Na atualidade, a disponibilidade de serviços de medicina genética é uma questão significante da genética humana. À medida que a tecnologia genética avança e mais pessoas têm acesso a informações os serviços médicos aumentam, bem como os debates acerca dos limites admissíveis de interferência no corpo humano.

No ano de 1995 foi criada a Lei 8.974 que estabeleceu normas para o uso das técnicas de Engenharia Genética. De acordo com a referida Lei são vedadas e consideradas criminosas, as atividades relacionadas a Organismos Geneticamente Modificados, tais como: manipulação genética utilizando células germinativas humanas, produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos para serem utilizados como material biológico disponível.

A Resolução nº 1931/2009 do Conselho Federal de Medicina (Constituição da República) (2009), que aprovou o Código de Ética Medica, dispõe em seu § 2º do art. 15 que o médico não deve realizar a procriação medicamente assistida com nenhum dos seguintes objetivos: criar seres humanos geneticamente modificados, criar embriões para investigação, criar embriões com finalidade de escolha de sexo, eugenia, ou para originar híbridos ou quimeras.

Ainda é vedado ao médico, conforme disposto art. 99 do mesmo Código, participar de qualquer tipo de experiência envolvendo seres humanos com fins bélicos, políticos, étnicos, eugênicos ou outros que atentem contra a dignidade humana.

No campo das ciências da vida, os casos considerados como má prática da medicina são os que retratam a participação na realização de experiências em seres humanos com fins meramente racistas ou eugênicos, bélicos ou políticos. Nesse contexto verifica-se o uso da medicina contra o ser humano e não a favor dele.

Assim, deve-se delimitar as fronteiras entre a genômica e a medicina, uma vez que jamais poderão ser violados os direitos já consagrados dos seres humanos, a dignidade e a vida. A má prática da medicina surge quando desvia de sua finalidade primordial, proteger e salvar a vida humana.

Por fim, deixamos aqui um alerta para que toda a sociedade jamais se esqueça de que o chefe do programa eugênico que culminou com o massacre de seis milhões de judeus no ano de 1945 foi um médico, Dr. Josef Mengele. Devemos conscientizar que a genômica e a medicina devem se entrelaçar com a ética em prol dos direitos da espécie humana.

4 Manipulação genética e o “admirável mundo novo”

Desde os primórdios, registraram-se casos de diversos povos que eliminavam os de sua espécie por considerá-los doente, deficientes, diferentes, inferiores e indignos. Propostas em busca da perfeição genética foram difundidas ao longo dos tempos como, por exemplo, o combate as doenças venéreas e a prostituição, etc.

Com a manipulação genética e o desenvolvimento do diagnóstico genético levantaram-se inúmeras discussões e problemas com base em pressupostos eugênicos.  

Conforme preleciona DINIZ (2006)[23], a manipulação genética é uma técnica de engenharia genética que desenvolve experiências para alterar o patrimônio genético, transferir parcelas do patrimônio hereditário de um organismo vivo a outro ou operar novas combinações de genes para lograr, na reprodução assistida, a concepção de uma pessoa com caracteres diferentes ou superar alguma enfermidade congênita. É um conjunto de atividades que permite atuar sobre a informação contida no material hereditário ou manipular o genoma humano no todo ou em parte, isoladamente, ou como parte de compartimentos artificiais ou naturais (p. ex., transferência nuclear), excluindo-se os processos citados nos art. 4º I a IV, e 6º, II, III, e IV, da Lei 8.974 de 1995 (Instrução Normativa nº 8/97 da CTNBio, art. 1º), tais como: mutagênese, formação e utilização de células somáticas de hibridoma animal, fusão celular, autoclonagem de organismos não patogênicos que se processe de maneira natural, manipulação de moléculas ADN/ARN recombinantes etc.

Já a Eugenia é uma ciência que estuda as condições mais propícias à reprodução e melhoramento da espécie humana. A Eugenia pretende reduzir a frequência de genes que apresentem determinadas anomalias e aumentar a de genes favoráveis nas gerações futuras.

Segundo CONTI (2001)[24], certos políticos e cientistas propuseram e executaram medidas prepotentes e discriminatórias sob o nome de Eugenia, de modo que essa palavra tornou-se hedionda para muita gente. No entanto, ela refere-se, apenas, a medidas que tendem a melhorar o patrimônio genético da humanidade, o que é uma tarefa benéfica e admirável, quando feita com total respeito aos direitos humanos e com base em conhecimentos científicos seguros.

Ainda explica a mesma autora (2001)[25] que, Hitler e seus asseclas usaram o prestigio da palavra Eugenia, mudando-lhe o sentido, para justificar seus crimes, e, historicamente, esse tema não produz boas lembranças. A vinculação do termo eugênico com interesses políticos e ódio racista desfigurou o significado da palavra.

No passado fingindo-se fazer Eugenia, praticaram-se muitos atos criminosos, o que provocou uma repulsa social acerca da palavra. Diante das atrocidades cometidas e interesses políticos escusos, o objetivo da Eugenia tornou-se indigno, desumano e sem ética.

Na atualidade, os testes genéticos já fazem parte da cultura social fragilizando o consenso acerca da dignidade humana que independe de uma espécie pura ou perfeita. A engenharia genética, bem como todo conhecimento cientifico se apresentam para a sociedade como uma fórmula mágica e fascinante para se obter a cura de diversas doenças e alcançar a tão sonhada felicidade. 

As ciências da vida transformam-se em verdades absolutas e inquestionáveis. Entretanto, por mais benéfico que seja o conhecimento genético, uma vez que se pode obter a cura de diversas doenças, bem como evitá-las, importante registrar que o uso indiscriminado do teste genético em contato com o mundo cultural pode ocasionar práticas terríveis de discriminação e procedimentos eugênicos em intensidade pior que a apresentada pelo nazismo.

De acordo com CONTI (2001)[26], p. 64) existem cada vez mais propostas de testes genéticos obrigatórios. Na história da humanidade a discriminação genética sempre esteve presente. Pessoas com doenças ou enfermidades são isoladas e até mesmo já chegaram a ser eliminadas. O que temos de novidade é que, hoje, tornou-se possível estabelecer a presença de uma doença antes mesmo que ela se manifeste. Assim, pacientes portadores de um determinado gene poderão ser discriminados pelo mercado de trabalho.

Ainda Na lição da autora, não é possível permitir que na sociedade futura surja um novo sistema de classe, no qual os seres humanos serão diferenciados pelos seus genes, pois caminharíamos para uma genetocracia. Em anos próximos, marcadores genéticos para características humanas como altura, peso ou mesmo coordenação motora, tendência musical e habilidade intelectual, poderão estar disponíveis no mercado.

Estaria a humanidade caminhando para o “admirável mundo novo” escrito por Aldous Leonard Huxley no ano de 1932, onde as pessoas são pré-condicionadas biologicamente e condicionadas psicologicamente a viverem dentro de uma sociedade organizada sem ética e valores morais onde o processo de reprodução segue padrões eugênicos?

Apesar da obra de Aldous Huxley ser uma ficção científica, ela nos leva a refletir sobre as implicações éticas e morais da engenharia genética, como o Projeto Genôma Humano, a clonagem , terapia gênica etc. O que foi registrado há mais de 80 anos como uma ficção científica vem caminhando passos largos para a realidade, uma vez que as técnicas da engenharia genética já são capazes de orientar a procriação de filhos perfeitos.

Sería ético os pais escolherem o sexo e as caracteristicas de seus filhos como a cor dos olhos ou o nível de inteligência? Seria admirável um mundo onde a discriminação é baseada no código genético?

Segundo leciona Henrique Leveovitz citado por CONTI, (2001)[27], assim, o processo de decisão reprodutiva mudará de direção. Este conhecimento pode levar a um processo de eugênese através do aborto seletivo. Na Índia, milhares de aborto já são realizados somente com base no sexo do feto. Nos EUA, um alarmante estudo revelou que dez por cento das mulheres entrevistadas não hesitaram em abortar uma criança propensa à obesidade. Parece que seria apenas um pequeno passo, para muitos, o uso da análise genética do feto para justificar o aborto por um sem número de “insuficiências” genéticas reais ou pré-concebidas. No próximo século, as informações reveladas pelo Projeto Genoma permitirão aos médicos selecionar os fetos, produzindo em laboratório um extraordinário número de características físicas e comportamentais. Pela primeira vez na história, os pais decidirão que tipo de criança nascerá. A seleção genética de fetos para características não ligadas, livres de enfermidades geneticamente conhecidas iniciará uma nova era para a eugênese.

É inconcebível que o indivíduo tenha violados todos os seus direitos, devido ao seu perfil genético, o princípio da dignidade da pessoa humana vigora entre a espécie humana independentemente de suas características genéticas.

Oportuna a reflexão de DINIZ (2006)[28]:

“Nesse contexto, a manipulação genética envolve riscos e uma série afronta à dignidade humana (Constituição da República, art. 1º, III), que podem levar a humanidade a percorrer um caminho sem retorno, por trazer a possibilidade de: a) obtenção, por meio da clonagem, da partenogênese ou da fissão gemelar de uma pessoa geneticamente idêntica a outra; b) produção de quimeras, pela fusão de embriões, ou, ainda, de seres híbridos mediante utilização de material genético de espécies diferentes, ou seja, de homens e de outros animais, formando, por exemplo, centauros, e minotauros, tornando as ficções da mitologia grega uma realidade, pois já se conseguiu camundongos com orelhas humanas; c) seleção de caracteres de um indivíduo por nascer, definindo-lhe o sexo, a cor dos olhos, a contextura física etc.; d) criação de bancos de óvulos, sêmens, embriões ou conglomerados de tecidos vivos destinados servir como eventuais bancos de órgãos, geneticamente idênticos ao patrimônio celular do doador do esquema cromossômico a clonar; e) produção de substancia embrionária para fins de experimentação; f) transferência de substancia embrionária animal ao útero da mulher e vice-versa para efetuar experiências; g) implantação de embrião manipulado geneticamente no útero de uma mulher, sem qualquer objetivo terapêutico; h) criação de seres transgênicos, ou seja, de animais cujo DNA contenha genes humanos, para que possam produzir hormônios ou proteínas humanas a serem utilizadas como remédio para certas moléstias; i) introdução de informação genética animal para tornar a pessoa mais resistente aos rigores climáticos; j) produção e armazenamento de armas bacteriológicas etc.”

Por certo que a busca de um gene mais favorável só tem cabimento quando não interferir nos direitos humanos, entre os quais estão as decisões acerca da reprodução, por isso, a terapia gênica e o aconselhamento genético devem ater-se apenas na transferência de genes de um organismo para outro para curar ou diminuir doenças.

Mas é preciso ter prudência, evitando-se qualquer intervenção sobre o óvulo fecundado, uma vez que provocaria alteração em sua identidade e a eliminação total da daquele ser humano em potencial distanciando-se totalmente de qualquer proposta de terapia. Tal prática nada mais é do que eugenia visando tão somente o melhoramento genético da espécie humana.

Ensina DINIZ (2006)[29], a terapia normal em embriões, que se dá em razão de diagnóstico pré-natal, de caráter genético ou não, é louvável por visar a sua cura por meios terapêuticos habituais, como dietas, medicamentos etc. Por exemplo, a síndrome adrenogenital, provocada por deficiência de uma substância denominada 21-hidroxilase, poderá ser tratada se aplicar, periodicamente, cortisona ao feto de sexo feminino, evitando-se masculinização de sua genitália externa. Se uma gestante apresentar transtorno na taxa de fenilcetonúria bastará que faça uma dieta adequada durante a gestação e depois do parto da criança, para impedir que esta venha a ter algum defeito congênito no coração ou debilidade mental. O tratamento neonatal poderá sanar uma anomalia detectada no diagnóstico, sendo levado a efeito sempre que existir a esperança de que a criança nasça sadia e tenha mais benefícios com essa terapia do que com a instaurada após o parto.

Ainda de acordo com Diniz, fácil é perceber que os pesquisadores e geneticistas só têm direito á liberdade cientifica se esta destinar-se a fins terapêuticos que não coloquem em risco a sobrevivência da espécie humana, levando em consideração a dignidade da pessoa humana e preservando sua integridade física e psíquica e a vida, que é um bem jurídico fundamental, por ser o suporte biológico do indivíduo e da humanidade, não podendo ser “aprendizes de feiticeiros”, nem muito menos, “brincar de Deus”, pretendendo, instigados por interesses econômicos, ter o poder de controle sobre a vida humana, dando origem a uma poluição biológica, que é mais fatal do que a química. A terapia gênica somente deve ser admitida em moléstias graves e fatais que não tenham alternativa de tratamento, desde que possa fornecer alguma garantia para superar ou diminuir os efeitos da enfermidade, não influa sobre o código genético e não se dirija à seleção da espécie, visando melhorar a dotação genética da humanidade. É, portanto, a intangibilidade do patrimônio genético da humanidade que assegura a sobrevivência da espécie.

É inconcebível que a manipulação genética seja utilizada para seleção de caracteres de um indivíduo por nascer, definindo-lhe o sexo, a cor dos olhos, a contextura física, etc. É de se notar que, no Brasil o Conselho Federal de Medicina se opõe a seleção do sexo, assim como de outras características. Permitir tais escolhas é o mesmo que consentir a seleção da espécie humana, ou seja, legalização da eugenia.

Infelizmente os ditadores científicos e suas promessas futuristas manipulam o pensamento das pessoas. O anseio pela perfeição e pela felicidade num mundo sem doença e sem sofrimento faz com que as pessoas se curvem a ditadura científica sem questionar os métodos. Parafraseando Aldous Huxley, também nos dias atuais percebe-se o aprimoramento dos métodos de terror com métodos de aceitação.  

HUXLEY (1962)[30], fez um discurso sobre a ditadura científica do futuro retratada em seu livro "Admirável Mundo Novo", onde esclareceu que sua obra não foi baseada em ficção e sim sobre o que a elite planejava implantar à época.

Cabe colacionar o referido discurso:

“E aqui gostaria de comparar rapidamente a parábola de “Admirável Mundo Novo”, com outra parábola que foi adiantada no livro de George Orwell (1984). Estou inclinado a pensar que a ditadura científica do futuro, eu acho que será a ditadura cientifica em muitas partes do mundo será provavelmente mais próxima do padrão de “Admirável Mundo Novo”, do que o padrão de 1984. Será mais próxima não devido a tendências humanitárias dos ditadores científicos, mas simplesmente porque o padrão de “Admirável Mundo Novo” será provavelmente mais eficiente do que o outro (padrão). Mas se você cons

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