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Artigo

Escola e Política
05/06/2021 Priscila Germosgeschi

Estamos muito distantes de uma efetiva democratização dos processos educativos, mas não podemos ser irresponsáveis e afirmar que não existe democracia nas escolas.
No contexto brasileiro atual, vem sendo comum a confusão entre política e política partidária. Não existe partido político sem política, embora a política, em suas múltiplas escalas e em seus múltiplos espaços, possa acontecer sem partidos políticos.

Enquanto professor, assumo a tarefa de apresentar a escola ao público, destacando aqui sua dimensão política. É notório o fato de muitas pessoas, incluindo aí os criadores do movimento Escola sem Partido (ESP), desconhecerem o funcionamento do espaço escolar. O objetivo desse texto é desconstruir algumas imagens que predominam no senso comum.

Nossa primeira afirmativa: o ambiente escolar é muito mais complexo do que parece. Temos uma representação equivocada sobre a escola. Aquela imagem de professores ensinando e alunos aprendendo, como algo pronto, acabado e natural, é apenas uma fragmentação da realidade. É apenas a representação de uma pequena parte, embora importantíssima, daquilo que conhecemos como escola. Mas é fundamental lembrar que, até que cheguemos às salas de aula, muitas coisas acontecem. Temos, no caso das escolas públicas, uma rede, comandada por uma prefeitura ou governo estadual. Essa rede é dividida em secretarias e subsecretarias. Nessas secretarias e subsecretarias, temos supervisores que visitam as escolas para verificar se está “tudo certo”. E cabe à escola e a seus representantes político-administrativos fazer com que esteja “tudo certo”. Além disso, temos uma série de intermediários, como mercado editorial, fornecedores de merenda escolar, dentre outros.

Segunda afirmativa: boa parte do país ainda apresenta processos verticais de educação formal. Falar em “processos verticais” significa afirmar que a escola brasileira é, ainda, permeada por um grau considerável de autoritarismo. Podemos afirmar, com toda segurança, que os professores foram totalmente excluídos das grandes reformas educacionais e curriculares do nosso país. Pior que isso: temos mais empresários e donos de ONG’s participando desses debates do que os próprios professores. No íntimo da escola, o que temos são imposições das mais variadas ordens sem que debates horizontais sejam estabelecidos institucionalmente. Na melhor das hipóteses, temos um debate mais horizontalizado que ainda se desenvolve de maneira muito tímida em algumas instituições. A sequência vertical de imposições educacionais é a seguinte: gestores (rede federal, estadual ou municipal) – secretarias de educação – direção da escola – funcionários e professores. Temos uma pirâmide educacional, em que o professor é sua base. E isso vem sendo naturalizado. A maior prova dessa naturalização está numa divisão do trabalho que se converteu em hierarquia. Cargos diferentes com diferentes funções são confundidos com “aqueles que mandam e aqueles que devem obedecer”. E isso acaba sendo aceito por quase todos. A sociedade superdimensiona o poder dos professores.

Terceira: professores não formam um bloco monolítico. Muitas pessoas – a grande maioria – acha que todos os professores são de esquerda e que todos os professores possuem um trabalho que consiste em doutrinar crianças que chegam à escola sem nenhuma forma de conhecimento, crianças que chegariam totalmente esvaziadas de culturas, saberes e informações. Os professores possuem as trajetórias mais variadas, as mais diversas formações e as mais variadas concepções políticas. Tratar os professores do quinto maior país do planeta, como se todos eles pensassem da mesma forma, é um erro enorme. Já tive o desprazer de ouvir uma proposta que consistia em dar aula com as portas trancadas. Já ouvi, também, uma proposta que consistia em fazer com que uma escola com cerca de mil e quinhentos alunos recebesse um aluno por vez para evitar aglomeração no pátio. Não há nada mais conservador que privar o aluno de sua socialização que, aliás, é uma das funções básicas da escola. Já tive que ouvir que a vida no período imperial devia ser “um charme”. Chamar um período escravocrata de charmoso é algo assustador. Professores progressistas, conservadores e reacionários coexistem e atuam juntos, querendo ou não.

 

Ao mesmo tempo, não podemos falar que o ambiente escolar é totalmente autoritário, pois órgãos como o Grêmio Estudantil e o Conselho Escolar servem como o peso do outro lado da balança. Estamos muito distantes de uma efetiva democratização dos processos educativos, mas não podemos ser irresponsáveis e afirmar que não existe democracia nas escolas. Mas, ainda assim, temos uma democratização em vias de tentar se consolidar no ambiente escolar. Podemos dizer que é uma democratização com diques, com barreiras que, por todo o tempo, inibem processos emancipatórios. É fundamental diferenciar papel e vida real.

As três afirmativas expostas não surgem da opinião, como manda a moda atual. Na verdade, elas resultam de oito anos de observação da escola pública em que leciono. A escola é um ambiente muito complexo para ficarmos presos às salas de aula. Observar é fundamental. E a ideia desse texto é apresentar uma pequena parte desses oito anos de observações com o intuito de apresentar um olhar pouco conhecido sobre a instituição escolar.

*Giam C. C. Miceli é professor da rede municipal de Itaboraí, licenciado em Geografia, com pós em Educação e mestrado em História da Educação.

 

Fonte:https://diplomatique.org.br/escola-e-politica/

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