Artigo
Especial Dengue
Mais uma vez, é tarde demais. Entra ano, sai ano, o verão chega e, com ele, mais gente contrai dengue e morre em consequência da doença. Pela primeira vez na história, São Paulo, o Estado mais populoso do país, foi arrebatado pelo mosquito. Das mais de 200 mortes no Brasil pela doença, o Estado respondeu por 73% dos óbitos. Houve mais mortes em São Paulo até abril do que no Brasil inteiro nesse mesmo período no ano passado. No dia 11 de maio, segunda-feira, um novo boletim epidemiológico será divulgado pelo Ministério da Saúde – e as perspectivas são alarmantes. “Temos 745.957 casos até 18 de abril. Sabemos que esse número aumentará. O Brasil vive situação de epidemia”, declarou Arthur Chioro, ministro da Saúde. Isso ocorre em sete Estados onde a taxa de infectados pelo vírus transmitido pelo mosquito Aedes Aegypti supera 300 casos por 100 mil habitantes. Além de São Paulo, essa situação ocorre em Acre, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Norte e Tocantins. Em número de mortos, o ano será dos piores que se tem registro. Vai superar 2014 – um retrocesso – e talvez se aproxime do resultado de 2013, o pior da história. É impossível reverter a crise após ela se instalar. “Agora, não há o que fazer”, diz o epidemiologista Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da USP e membro da Coordenadoria de Controle de Doenças de São Paulo. “Lançar veneno parece óbvio. Mata-se mosquito, mas as larvas continuam vivas nos criadouros.” Faltou o país se prevenir contra o previsível, com muito mais intensidade do que tem feito. A dengue voltou a infestar o país há 30 anos. Depois que a endemia (um problema crônico) se transforma novamente em epidemia (um problema agudo), resta tratar dos doentes. Nessa frente, também temos de melhorar. “O indicador de qualidade da assistência é o número de mortes”, diz Expedito Luna, do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP). “Se as coisas estivessem funcionando, não era para morrer ninguém.” As políticas públicas no Brasil são pulverizadas, incoerentes e incertas. Campanhas educativas são brandas. Novidades científicas, como vacinas e mosquitos transgênicos (que geram filhotes inviáveis), prometem se tornar armas valiosas – mas avançam aos tropeços, com investimento oscilante. O grosso do combate à dengue fica a cargo das prefeituras. Muitas mal notificam casos. A agenda de muitas delas se orienta pelo calendário eleitoral e pela tentativa de evitar pânico. A dengue é difícil de enfrentar. Já se registraram casos em áreas fora da faixa tropical – na Argentina, na Croácia, na França e na Ilha da Madeira. Na Europa, o vírus já atacou a 2.000 metros, altitude considerada inviável para o mosquito proliferar. O vírus se apresenta em diferentes tipos e o mosquito mostra capacidade de se adaptar a novos ambientes e venenos. Não há ainda casos de países que tenham sobrepujado a doença de forma inquestionável e que possam servir de referência internacional. Mesmo assim, pode-se constatar que há muitas correções a fazer nas políticas de combate à doença – e muito mais mudanças de comportamento necessárias na população. Neste ano, o mosquito se instalou por todo lado no Estado de São Paulo, incluindo a capital, que tinha fama de resistir aos surtos. Os cientistas ainda não sabem explicar o que mudou. Apesar do mistério, não é novidade que a ameaça dos surtos é cíclica, mas a necessidade de prevenção constante. Entra ano, sai ano, há surtos e epidemias em regiões distintas, mas dentro de um mesmo calendário e uma mesma lógica. O surto no Acre neste ano resultará em uma população com maior imunidade e uma crise menor naquela área em 2016. A população que contrai um dos quatro tipos de dengue ganha imunidade contra ele para sempre – e, de quebra, contra os outros três tipos, por até dois anos. A cada ano, uma cepa do vírus ataca. Hoje, a maior parte dos casos se deve ao tipo 1. Não há um mais letal. Sabe-se que contrair dengue pela segunda vez é pior. “A cada 1.000 casos, três são da forma grave”, diz o virologista Celso Granato, diretor clínico e responsável técnico do Fleury. A proporção de mortes torna a dengue menos letal que a gripe. Mas ela é mais fácil de combater, o que torna cada morte um escândalo. É sinal de uma política de saúde frouxa. Para cada indivíduo com dengue, outros dez têm a doença, mas não sofrem os sintomas. Mesmo os casos com sintomas exigem perícia do médico no diagnóstico. “Dengue é a doença de mil caras. Não se apresenta sempre como a gente conhece, o que dificulta o diagnóstico e leva ao óbito”, diz Consuelo Oliveira, pesquisadora do Instituto Evandro Chagas. O mal provoca febre abrupta, mal-estar, manchas na pele, dor de cabeça, nos olhos e no corpo. Algumas formas resultam em complicações respiratórias, afetam o fígado e o cérebro. Idosos e pessoas com doenças crônicas correm maior risco. Por lei, cabe aos municípios organizar a prevenção e o tratamento de infectados. Significa fazer campanhas educativas, montar equipes de busca de criadouros (incluindo dentro de residências) e de aplicação de inseticida. Os governos estaduais devem ajudar os municípios. A União dá diretrizes e destina verbas às cidades. O Ministério da Saúde prevê que os municípios investirão R$ 875 milhões no combate à dengue em 2015 com recursos da União – pouco mais que 2014. O argumento em favor da autonomia municipal é que as prefeituras sabem de suas necessidades. O modelo não tem sido eficaz. As prefeituras economizam no curto prazo com a prevenção. Não dispõem de recursos (ou vontade) para mantê-la mesmo nos períodos sem surtos. “Se ficarmos dois anos sem dengue, havendo outras urgências, será com elas que os secretários de Saúde gastarão”, diz o virologista Granato. É um erro. “A dengue tem de ser combatida o ano inteiro.” Assim surgiu a crise paulista. No fim do ano passado, a Superintendência de Controle de Endemias de São Paulo (Sucen) observou seus dados e o padrão da doença. Reuniu representantes de cidades pequenas do noroeste do Estado para alertá-los sobre a ameaça da dengue no verão 2014-2015. São Paulo é o único Estado a dispor de um órgão como a Sucen. Não bastou. “Falhamos. Gastamos demais, e a eficácia foi muito menor do que se todos tivessem trabalhado desde três meses antes”, diz Boulos. “Não dá para transferir a responsabilidade para os municípios pequenos”, diz Nilson do Rosário Costa, pesquisador de políticas públicas da Fundação Oswaldo Cruz. A política de conscientização com os agentes de saúde que vão às casas à caça de criadouros do mosquito peca. Eles são poucos e esbarram no medo da população de assaltos. Dão de cara na porta. A população não colabora: 80% dos infectados contraem dengue em casa. Calhas, pneus e baldes desprotegidos são criadouros de mosquito. Os ovos podem hibernar por anos – até encontrar condições ideais para eclodir, num período de calor e umidade. O Aedes vive até 35 dias e, ao longo de sua vida, dificilmente percorre mais de 600 metros. O problema é local. O pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz Luciano Moreira diz que conter a dengue exige mudança de hábitos. Na Flórida, nos Estados Unidos, os moradores cobrem reservatórios de água e vedam as janelas com telas. O mosquito não desaparece, mas há pouca dengue, mesmo numa região quente e úmida, diz Pedro Tauil, do Comitê de Doenças Emergentes da Sociedade Brasileira de Infectologia. No Brasil, devem-se tentar novas táticas. Uma ideia é centralizar mais, nos governos estaduais e federal, as informações e decisões. A interação permanente entre federação, Estados e municípios vem sendo estudada em São Paulo, por meio de comitês e consórcios intermunicipais. De iniciativas assim nascem inovações no combate a endemias. Isso ocorreu no enfrentamento da varíola pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, criados em 1946. Na década de 1960, eles desenvolveram vacinas e venenos específicos que livraram os EUA da praga. Métodos científicos promissores de combater a dengue avançam. Entre eles está a criação de mosquitos geneticamente modificados em laboratório. Um deles cria machos cujos filhotes morrem precocemente, sem procriar, de acordo com Glen Slade, da Oxitec do Brasil. A empresa apelida a invenção de “mosquito do bem” e o testa em São Paulo e na Bahia. A tecnologia pode ser regulada em 2016. Noutra pesquisa, no Rio de Janeiro, uma bactéria inofensiva ao ser humano e comum em outros insetos, a Wolbachia, é aplicada no Aedes. Ela faz com que o mosquito, mesmo contaminado com dengue, não a transmita. A bactéria se espalha de mosquito para mosquito. A vacina é a forma mais potente de controle, mas sua chegada deverá atrasar. A francesa Sanofi já tem uma, que usa vírus mortos de febre amarela e dengue. Aguarda a conclusão de análises da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Sua proteção é de 60%. A que promete mais eficácia, 90%, usa os quatro tipos de vírus da dengue, vivos e atenuados. É desenvolvida no Instituto Butantan e está na fase de pesquisas. Jorge Kalil, diretor do instituto, teme que a Sanofi receba o registro antes que o Butantan termine os testes de sua vacina. “Se isso acontecer, em vez de testar minha vacina em 17 mil pessoas, eu teria de testá-la em 100 mil. Isso inviabilizará o projeto.” A vacina do Butantan demandou até agora R$ 3 milhões, financiados pelo BNDES. Testá-la em 17 mil pessoas custará mais R$ 120 milhões. Nenhuma vacina estará disponível nos próximos meses, segundo o ministro Chioro. Rafael Catão, autor do livro Dengue no Brasil, diz que dificilmente o Aedes desaparecerá. Ele vem se adaptando a inseticidas, a climas e regiões adversas. As tecnologias, no máximo, tornarão as epidemias mais raras. Mas o Aedes não poderá se adaptar a uma prática fácil, barata e eficaz: o empenho obsessivo de cada cidadão em eliminar água parada e criadouros. Esse gesto simples, afinal, pode salvar vidas. Infográfico futuro da dengue (Foto: época ) Fonte: http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/05/dengue-e-hora-de-enfrentar-o-bicho.html Estrela d'Oeste, SP: a vida numa cidade infectada pela dengue
A história de um município que reage contra a doença - sem a força, a velocidade e a organização necessárias. Como o Brasil
FONTE: http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/05/estrela-doeste-sp-vida-numa-cidade-infectada-pela-dengue.html