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O drama das pessoas com mais de 50 anos que passam a noite na fila e saem sem trabalho do Mutirão do Emprego
O drama das pessoas com mais de 50 anos que passam a noite na fila e saem sem trabalho do Mutirão do Emprego
"Cheguei aqui à meia-noite, dormi na fila e acabei de ser descartada, como se eu fosse um lixo", diz Edna Teixeira, de 58 anos, cabisbaixa.
Há dois anos desempregada, a babá deixou sua casa no bairro da Lapa, na zona oeste de São Paulo, às 23h de segunda-feira, passou 11 horas esperando atendimento no Mutirão do Emprego, no centro da cidade, e saiu sem nenhuma entrevista marcada. O feirão oferecia mais de 6 mil vagas em 30 empresas diferentes.
Por outro lado, a maior parte dos jovens abordados pela reportagem da BBC News Brasil na manhã desta terça-feira deixou o local com entrevistas marcadas.
A estimativa da central sindical União Geral dos Trabalhadores (UGT) era de que havia mais de 15 mil pessoas na fila - segundo a central, 1.200 seriam atendidas no mesmo dia e que as outras receberiam senhas para voltar nos próximos dias. O presidente do órgão prometeu atender todas as pessoas, nem que fossem necessários dez dias.
"Disseram que aqui teria 6 mil empregos, peguei a senha 283 e pensei que sairia com um trabalho. Sou massoterapeuta, esteticista e depiladora. Tinha vaga para balconista e caixa de supermercado. Eu tenho o perfil, me ofereci, mas minha idade me barrou", afirmou Teixeira.
Assim como ela, nenhuma das mais de dez pessoas com mais de 50 anos entrevistadas pela reportagem na fila, que dava voltas no Vale do Anhangabaú, conseguiu sequer agendar uma entrevista até o fim do dia.
A babá afirmou que faz bicos com os vizinhos para conseguir ao menos pagar as contas de água e luz enquanto não encontra um emprego fixo. Ela conta que só não passa fome porque mora com a filha.
"Ela banca tudo em casa. É horrível essa sensação. A cada dia que passa, a gente perde as esperanças e se sente como se não fosse mais útil em nada. Mas eu não vou desistir. Vou fazer um curso para ser cuidadora de idosos e tentar um novo rumo", disse, antes de entrar no metrô e voltar para casa.
Baixa qualificação
O presidente da central sindical UGT, Ricardo Patah, reconheceu que as pessoas com mais de 50 anos têm mais dificuldade para conseguir um emprego. Segundo ele, o principal motivo é a falta de qualificação - a UGT participou da organização do mutirão.
"O Pão de Açúcar faz contratações da terceira idade. Mas a gente vê que tem muitas pessoas que não se qualificam. Nos últimos dois feirões como este, não preenchemos 40% das vagas por este motivo. Este ano, vamos também dar qualificação para ocupar 80% das ofertas de emprego. Por exemplo, vamos dar curso de Excel para operadoras de caixa sem experiência", afirmou.
Mas mesmo quem tem experiência e qualificação encontra dificuldades.
Desempregada há dois anos, Eliete dos Santos Azevedo, de 59 anos, trabalhou durante anos na área de atendimento ao cliente em redes sociais. Ela conta ter sido demitida sob s justificativa de "cortes de custos por causa da crise" e não conseguiu se reencaixar no mercado desde então.
"A idade pesa. Ontem mesmo entreguei um currículo na Lapa para trabalhar em uma loja e disseram que só pegam mocinhas. É muito triste ter de passar por um constrangimento desses", conta.
Ela diz que durante o tempo desempregada faz bicos como monitora em escolinhas infantis. Conta, ainda, que a renda do marido garante o sustento da família. Mas que ele ainda sacrifica parte do salário para poder trabalhar.
"A gente mora em Caieiras (região metropolitana de SP) e ele trabalha em São Paulo. Como as empresas não querem pagar vale transporte intermunicipal, ele diz que mora na capital e tira R$ 9,20 por dia do próprio bolso para pagar o ônibus a mais. Eu também coloquei um endereço daqui no currículo para facilitar porque sei que o patrão não quer arcar com esse custo e na nossa cidade o emprego está mais difícil ainda", afirmou.
A fila para entrar no prédio do Sindicato dos Comerciários - onde representantes de 30 empresas estavam distribuídos em dez andares - fazia caracóis entre grades, dava voltas no Vale do Anhangabaú e chegava ao largo do Paissandu.
Na fila, era possível ver pessoas com sinais de cansaço, fome e sede. Ao entrar no prédio do sindicato, todos ganhavam um lanche e uma caixinha de achocolatado. No local, também eram oferecidas vagas de emprego para pessoas com deficiência e imigrantes. Segundo a UGT, 80% das ofertas eram para as áreas do comércio e serviços, como açougueiro, balconista e assistente de telemarketing.
Um deles é o analista de mesa de crédito Luis Carlos Duarte, de 63 anos. Ele trabalhava em uma loja varejista até outubro de 2018, quando um sistema automatizado passou a fazer a avaliação de crédito dos clientes.
"Agora, estou tentando trabalhar como porteiro, mas eles pedem experiência de 6 meses. Até fiz um curso, mas não adianta. Mercado para quem passa dos 40 é muito mais difícil. O governo também não dá nenhum incentivo para a gente estudar e a gente fica esquecido. Hoje, eu aceito trabalhar em qualquer área. Quem quer emprego não escolhe", afirmou.
Duarte é divorciado e ainda paga uma pensão de R$ 500 por mês. A situação dele só não é mais grave porque ele mora com a mãe, de 81 anos, e não precisa pagar aluguel. Para ele, conseguir um trabalho no feirão é sua chance de reconstruir sua vida. "Fico aqui até conseguir, nem que eu durma na fila", disse.
Não pensavam em voltar
De acordo com o economista e consultor Cosmo Donato, da LCA Consultores, a taxa de desemprego entre pessoas com mais de 50 anos no Brasil saltou de 2,92% em março de 2012 para 5,38% em dezembro de 2018. Segundo ele, o número é considerado baixo, mas há uma alta taxa de desalentados (aqueles que desistiram de procurar um trabalho e saíram das estatísticas de desemprego) que pode elevar esse número futuramente.
"Muitos idosos já tinham deixado o mercado de trabalho há tempos e com a crise estão tentando realocação. Muitos porque precisam recompor renda familiar ou porque a aposentadoria não é mais suficiente. Mas é difícil para eles porque não se qualificaram nesse tempo parado, pois não pensavam em trabalhar novamente", disse.
"Aqui! Eu trabalho com cozinha!", grita Neli Aparecida Rodrigues Almeida, de 58 anos, ao ver um homem perguntando se alguém procurava emprego na área.
Com curso superior incompleto em pedagogia, ela conta que está desempregada há três anos. Diz que nesse período já trabalhou de maneira informal como manicure, auxiliar de cozinha e até como assistente de telemarketing. Seu desejo é ver novamente a carteira de trabalho assinada.
"É um sonho, mas sei que a idade chega e as portas se fecham. Hoje, dependo do meu marido e dos meus filhos. Se não fosse ele e meus filhos, não conseguiríamos pagar nem o R$ 1 mil de aluguel", afirmou.
O consultor Cosmo Donato afirmou que a economia do país ainda não reagiu e a alta taxa de desemprego atinge todas as idades, mas as pessoas com mais de 50 anos estão entre as que encontram mais dificuldades em conseguir um emprego.
"O problema é ainda maior nesses cargos de baixa qualificação. A concorrência é alta, principalmente com os jovens. E como temos muito mais jovens procurando emprego e eles se sujeitam a aceitar empregos que pagam menos e exigem menor qualificação, os idosos dificilmente conseguem competir", afirmou.
Ele diz que o desemprego entre jovens também gera um efeito cascata que leva idosos a tentarem voltar ao mercado de trabalho para contribuir com a renda familiar e isso aumenta ainda mais o desemprego.
"Isso puxa para o mercado de trabalho pessoas que não estavam mais nele. Você aumenta o número de desempregados. A grande questão que a gente ressalta é que o desemprego está alto de uma maneira geral."
Chance para os mais jovens
Se para quem tinha mais de 50 anos o dia foi de decepção, muitos dos mais jovens saíram com uma expressão de alegria do Mutirão do Emprego.
Após mais de dez horas na fila, o fiscal de prevenção de perdas Julio Cesar Macedo, de 32 anos, saiu com uma boa notícia. Na quinta-feira, ele vai fazer uma entrevista para trabalhar em um supermercado, nove meses após ter pedido demissão de um emprego na mesma área, no qual ganhava R$ 1.400 por mês.
"Para mim foi ótimo porque eu sempre levo currículo diretamente na loja e não adianta. Agora, quero conseguir esse emprego e buscar qualificação profissional para depois conseguir um salário melhor e não passar mais por isso. Hoje, eu não tenho casa, moro num centro de acolhida. Quero morar numa casa e tocar a vida da melhor forma possível".