Artigo
O Homem É Do Tamanho Do Seu Sonho.
Até onde o sonho pode levar o ser humano?
Padre Bartolomeu Lourenço, nascido em dezembro de 1685, foi um cientista, sacerdote secular e inventor luso-brasileiro que ficou famoso por inventar o primeiro aeróstato: a Passarola. Bartolomeu entra na história de um dos grandes romances do escritor José Saramago: Memorial do Convento. No romance, como na vida, é o inventor de uma máquina de voar que desde sempre é um sonho que, na perspetiva do narrador, faz parte da vida humana e é por ele que tudo evolui. O Padre para construir a passarola via-se ainda com vagos conhecimentos acerca da construção de sua obra e, depois de pensar bem, partiu para a Holanda em busca de mais conhecimento. Naquela época, o propósito de voar, através de conhecimentos que envolvia técnica, ia contra à mentalidade religiosa e a não tolerância da Inquisição (tribunal eclesiástico destinado a defender a fé católica), aumentando assim a perturbação do Padre. A máquina foi toda construída em segredo numa quinta cedida pelo rei em S. Sebastião da Pedreira. O Padre Bartolomeu precisou da ajuda de Blimunda e Baltasar (personagens do livro "Memorial do Convento"). Baltasar pela sua força e garra, e Blimunda que, para além de recolher as vontades, a importância dela na construção era também o poder de ver por dentro; utilizando então a magia para ajudar, em que via por dentro dos materiais para verificar se estavam em bom estado para a máquina, permitindo, deste modo, a construção eficaz da Passarola. Para voar, a passarola precisava de três materiais importantes: Bolas âmbar (que foram atraídas pelo sol); Éter (atraído pelo âmbar) e Íman (atraído pelo éter). Mas, destes três materiais, o éter tinha uma particularidade: O éter compunha-se da vontade dos vivos. Logo, ninguém seria mais apto para isso do que Blimunda. A sua missão era ver as vontades no interior dos homens e mulheres e guardá-las num frasco. Contrariamente à alma, que é invisível, a vontade tinha uma forma. Dentro de cada um, essa nuvem significa o desejo humano de evoluir, transcender e libertar. Foram as vontades recolhidas por Blimunda que fez voar a passarola que, por sua vez, representa a concretização do sonho humano. Devido a perseguição do Santo Ofício (o mesmo que Inquisição), os três viram-se em apuros devido à máquina. Antecipa-se o dia para o voo. Retiram o telhado da quinta de S. Sebastião e a máquina levanta voo ("A máquina estremeceu, oscilou como se procurasse um equilíbrio subitamente perdido, ouviu-se um rangido geral, eram as lamelas de ferro, os vimes entrançados, e de repente, como se a aspirasse um vórtice luminoso girou duas vezes sobre si própria enquanto subia, mal ultrapassara ainda a altura das paredes, até que, firme, novamente equilibrada, erguendo a sua cabeça de gaivota, lançou-se em flecha, céu acima.", pág. 202 Cáp. XVI.) Foi inenarrável a alegria dos três, que apesar de estarem a fugir do Santo Ofício, sentem-se felicíssimos pela construção do seu sonho. Quando avistaram a passarola, o povo de Mafra ficou com medo, chegando até a ajoelharem-se; outros atiraram pedras julgando assim atingir e destruir a máquina voadora; outros simplesmente fugiram, mas todos ficam alvoraçados; alguns duvidaram do que viram e pediam confirmação visual aos que lhes estavam próximos. Chegado o fim do dia, a luz solar era cada vez mais débil, impedindo que a passarola se mantivesse no ar. Fizeram de tudo mas nada foi possível. A passarola caiu. A queda de tão violenta parecia que o estômago iria sair-lhes pela boca. Não sabem onde estão. O Padre diz a eles que a Inquisição vai encontrá-los e que morrerão. Cansados, depois de comerem algo, adormecem. Padre Bartolomeu, doente, tenta incendiar a máquina, mas os dois não permitiram. O Padre afasta-se e desde então nunca mais é visto. Foge para a Espanha e morre doido em Toledo. E os dois, bem, escondem a máquina com ramos de folhas para impedi-la de voar e ao fim de dois dias chegam a Mafra. Concluindo, vemos que a construção da passarola concretizou o progresso/sonho humano que de tão humano ultrapassou a intolerância e violência da época. Graças a ele, foi possível a junção da ciência, trabalho artesanal, magia e arte para colocar o sonho no céu. Uma máquina que foi capaz de unir três pessoas e de separá-los com a mesma intensidade. A passarola, para além de uma concretização, foi mais que um sonho de três pessoas: foi um salto para a humanidade. Finalizo com este fragmento de um poema de Fernando Pessoa que caracteriza magnificamente o sonho: "Sem a loucura que é o homem ,ais que a besta sadia, cadáver adiado que procria?"
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