Artigo
O Veneno Está Na Mesa
Terça-feira, 10 de julho de 2018
O Veneno está na Mesa
Por Daniel Caseiro
Quando sentamos para comer não paramos para pensar se nossa comida está envenenada. Não questionamos qual quantidade de agrotóxicos foi utilizada na produção dos alimentos que estamos prestes a ingerir. E, se o fazemos, geralmente desconfiamos apenas daquele tomate ou daquele morango que parecem “grandes, vermelhos e perfeitos” demais. O que é um grande equívoco, pois até mesmo o pão, o macarrão, pizzas e outras massas podem estar contaminadas se na produção do trigo e demais grãos utilizados para fazer a farinha foram empregados agrotóxicos, adubos químicos e pesticidas.
A verdade preocupante é que, desde 2008, o Brasil se transformou no país que mais consome agrotóxicos no mundo. A porcentagem do uso do pesticida acima do permitido em alguns alimentos é assustadora. A ANVISA constatou, por exemplo, que o veneno colocado no pimentão extrapola em 80% o nível tolerável.
Felizmente existem alternativas ao modelo de produção agrícola baseado no uso de agrotóxicos: a agricultura familiar, a agricultura orgânica e a agrofloresta (agricultura sintrópica).
Os riscos do uso de agrotóxicos na produção de alimentos e as alternativas à esse modelo de agricultura são precisamente o tema da Trilogia da Terra, um trio de documentários dirigidos pelo cineasta brasileiro por Silvio Tendler, composta pelos documentários O Veneno está na Mesa, O Veneno está na Mesa 2 e Agricultura Tamanho Família.
O cineasta brasileiro Silvio Tendler
Apesar de terem sido lançados entre 2011 e 2014, as informações, questionamentos e propostas discutidas nos documentários continuam extremamente pertinente, especialmente considerando que a Câmara dos Deputados recentemente aprovou dois projetos de lei sobre o assunto, a chamada PL do Veneno e a chamada PL da Restrição de Orgânicos:
O PL do Veneno (Projeto de Lei 6299/2002) , foi aprovado na Câmara dos Deputados no dia 25 de junho de 2018 e facilita a comercialização e o uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil; Entre outras medidas, a nova lei quer mudar o nome dos agrotóxicos para “defensivos agrícolas” e “produtos fitossanitários”, conceder licenças temporárias e proibir apenas substâncias que apresentem risco extremo à saúde, liberando agrotóxicos que apresentarem “risco aceitável”.
No dia 02 de julho outro PL, o chamado PL da Restrição de Orgânicos (Projeto de Lei 4576/2016), também foi aprovado. Tendo como relator o deputado Luiz Nishimori (PR-PR), o mesmo do PL do Veneno, o PL permite que, numa interpretação restritiva, a venda de produtos orgânicos no varejo comum (em supermercados, por exemplo) seja proibida.
Para se ter uma idéia da velocidade com que a questão avança, mais de 50 marcas receberam licença para comercialização de novos agrotóxicos no Brasil apenas em 2018. Nos últimos dez anos, segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), quase 2 mil novos registros de agrotóxicos, entre químicos e orgânicos, foram concedidos no país.
Em vista deste quadro alarmante, vale a pena conferir a Trilogia da Terra, disponível na íntegra e gratuitamente no youtube:
O Veneno Está na Mesa traz o relato de especialistas e agricultores que colocam em xeque o atual modelo de produção de alimentos no Brasil:
O que me motivou a falar sobre o tema foi ter descoberto que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos. Cada brasileiro consome, em média, 5,2 litros por ano
Diz o documentarista.
Abrindo e fechando seu documentário com a fala do jornalista e escritor Eduardo Galeano, Tendler alerta sobre o uso indiscriminado de agrotóxicos na agricultura brasileira, que atualmente é a recordista mundial no uso desses agentes químicos fornecidos por empresas como BASF, Dow, Bayer, Monsanto, Syngenta, Braskem, Dupont, entre outras. Muitos dos venenos produzidos por estas empresas foram banidos em vários países de todos os continentes, mas no Brasil continuam em uso, inclusive pelos pequenos agricultores, que são obrigados a usar sementes transgênicas e pesticidas para conseguir crédito junto aos bancos.
O documentário é construído em forma de mosaico, expondo dados temerários como os reproduzidos acima junto a entrevistas com profissionais de diversas áreas como agricultores, agrônomos e médicos de todo o Brasil que corroboram as estatísticas apresentadas.
A grande conclusão do filme é que se a gente quer continuar vivendo e salvar o planeta temos que buscar outro modelo, de agricultura orgânica, temos que abandonar os transgênicos e os defensivos agrícolas, que nada mais são do que agrotóxicos.
Afirma o cineasta.
Estamos sujeitos a um envenenamento.
Conclui.
Para além de dados e opiniões técnicas, o cineasta também inclui narrativas humanas, como o caso do rapaz de 29 anos que morreu por trabalhar com agrotóxicos, numa sucessão rápida de complicações de saúde causadas pelos agentes químicos com que tinha contato em seu cotidiano; ou agricultora que sofreu uma esclerose múltipla gravíssima com apenas 32 anos de idade; ou ainda, o caso das 62 mulheres no Mato Grosso descobriram que estavam amamentando seus filhos com veneno depois que exames mostrara que todas elas tinham agrotóxico no leite.
O Veneno Está Na Mesa 2 :
No documentário, Paulo Gadelha, presidente da Fiocruz, atesta o obvio que muitas vezes nos recusamos a ver:
A função de qualquer agrotóxico é eliminar organismos vivos.
Na segunda parte de sua Trilogia da Terra, Silvio Tendler atualiza e aprofunda a crítica ao modelo agrícola nacional atual oferecendo alternativas para a produção de alimentos com agrotóxicos.
O atual modelo agrícola ainda é baseado no latifúndio, na monocultura e na produção de comódites para a exportação: 40 mil latifundiários controlam quase metade das terras brasileiras cultiváveis. Ainda assim, em termos de representatividade, a bancada ruralista tem conseguido eleger entre 120 e 200 políticos por eleição, enquanto a agricultura familiar, com 12 milhões de pessoas, conta com apenas 10 ou 12 representantes no Congresso.
E o motivo dessa desproporção é fácil de compreender: as campanhas dos deputados e senadores são financiadas pela indústria de agrotóxicos que teve um faturamento de 15 bilhões de reais em 2010.
Quando eu tenho o uso de fertiizantes quimicos, agrotoxicos etc, uma parte significativa da renda da terra fica com essas empresas.
Afirma no documentário a professora de Geografia Humana da USP Larissa Mies Bombardi.
O segundo filme apresenta experiências agroecológicas empreendidas em todo o Brasil, mostrando a existência de modelos viáveis de produção de alimentos saudáveis, que respeitam a natureza, os trabalhadores rurais e os consumidores. Estas alternativas são ainda mais exploradas na terceira parte da Trilogia da Terra.
Agricultura Tamanho Família :
O último documentário da trilogia foca na importância da agricultura familiar para a alimentação brasileira:
Agricultores familiares são a maioria de produtores (84,4%), mas tem a menor parte das terras cultivadas (24,3%). Ainda assim, a Agricultura familiar produz 70% dos alimentos que são consumidos pelos brasileiros.
Isso porque, o agronegócio produz basicamente 5 produtos apenas: soja, milho, algodão, cana de açúcar e carne bovina, todos voltados para a exportação.
Por Daniel Caseiro.
Fonte: http://www.justificando.com/2018/07/10/o-veneno-esta-na-mesa/