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Artigo

Pane Seca Na Medicina
21/06/2019 Não informado

Pane seca na medicina

Publicado por 4 fevereiro 2017 12h54

 
 
 
 

AlphaDog/VEJA)

A tragédia com o voo da Chapecoense sugere uma ideia: e se usássemos recursos da aviação para controlar o desempenho de médicos em nome da transparência?

Por Ben-Hur Ferraz Neto Os mortos da Chapecoense desencadearam uma extraordinária onda de comoção e solidariedade no Brasil e no mundo. Foi emocionante, uma sinfonia de gestos e reações, de compaixão, que nos fazem acreditar, de verdade, no ser humano. Descobrimos naquela terça-feira triste que a sociedade é composta de uma maioria de pessoas do bem, independentemente da origem, do credo ou do time, que com suas atitudes lutam por um mundo melhor. Um mundo no avesso do que lemos nas manchetes dos jornais e das revistas. Um mundo sem corruptos no poder lutando pelos próprios interesses, sem desigualdade social. Os heróis da Chapecoense iluminaram um caminho. Causa revolta, contudo, diante de tanto comportamento admirável e afetuoso, saber que o acidente na verdade foi um crime. Sua origem está na irresponsabilidade e na ganância de um ou de poucos, o atalho mais curto para a pane seca que derrubou a aeronave na Colômbia. A dor de Medellín alimentou uma reflexão que faço já há algum tempo como profissional da saúde: e se a medicina usasse recursos da aviação para controlar o desempenho de seus pares? Uma ideia seria a implantação de caixas-pretas nos centros cirúrgicos, o instrumento ideal para uma avaliação mais frequente da atividade médica e que poderia inclusive influenciar, com base nos resultados clínicos obtidos, a remuneração daquele médico ou equipe. Gosto de lembrar uma máxima cínica da medicina que propõe a seguinte combinação: se o paciente morrer, fica acertado que o cirurgião também deve morrer. Não é assim, claro. Mas, sabidamente, a relação entre médico e paciente se baseia em confiança, característica fundamental dessa relação, mas longe de ser a única arma disponível para determinar todas as decisões. O segredo é a transparência, algo muito rarefeito em minha profissão. Apesar de contar com cerca de 400 000 profissionais, a comunidade médica brasileira sofre com um minoria que permitiu a alcunha, na esteira de más condutas, da conhecida expressão “máfia de branco”. Mesmo com todas as atitudes dos conselhos de medicina, regionais e federal, de barrar e punir tais transgressões, ainda somos vítimas de médicos inescrupulosos que, tal o comandante Quiroga, vêem os ganhos financeiros como a finalidade de sua profissão – e não a função seminal de salvar ou preservar vidas. Não é novidade para nenhum leitor a ocorrência de várias operações da Polícia Federal que envolvem clínicas, hospitais e fornecedores de medicamentos, próteses e materiais cirúrgicos que desviaram dinheiro e superfaturaram com procedimentos muitas vezes desnecessários para os pacientes a eles submetidos. Nos últimos dez anos, em torno de trinta médicos perderam seu registro e tiveram a licença cassada, conforme dados do Conselho Federal de Medicina. Precisamos, reafirmo, abrir a caixa-preta. Como fazê-lo? Há anos discutimos formas de coibir más condutas e notamos a necessidade de conhecer e divulgar para a comunidade leiga os resultados da atividade médica e de suas terapias no Brasil. Mas parece que essa é uma vontade de poucos. Ao mesmo tempo, há ampla insatisfação na área da saúde, e isso não ocorre apenas na esfera pública, mas também na privada, com raríssimas exceções. Os convênios médicos estão no topo das reclamações no Procon, por exemplo. A insatisfação inclui praticamente todos os envolvidos na cadeia de atendimento, desde o Ministério da Saúde até os pobres pacientes que, sem informações adequadas para a correta escolha de seu tratamento, podem “embarcar em vôos com planos incorretos” apenas por sua relação de proximidade, de acesso pelo convênio ou Sistema Único de Saúde (SUS), e não pela decisão de ter escolhido o melhor possível.

Criado há alguns anos, o compliance, termo designado para descrever o conjunto de ações cuja finalidade é mitigar o risco de corrupção e preveni-la, foi introduzido na área de saúde para dar mais transparência aos possíveis conflitos de interesse que pudessem influenciar médicos a oferecer determinados tratamentos (medicações, exames, próteses, órteses, cirurgias, entre outros) que não representassem a melhor terapêutica indicada. Na verdade, a relação entre os médicos e a indústria não é, necessariamente uma contravenção, mas a transparência exigida nessa relação deve estar presente em todas as circunstâncias. Assim, naquelas situações em que a indústria, os laboratórios, as clínicas, os hospitais, os convênios, as operadoras de saúde e os médicos se unem para oferecer, desenvolver ou ampliar benefícios aos seus enfermos, a relação é positiva e deve ser absolutamente transparente. Contudo, profissionais que recebam qualquer compensação, participação ou comissão pelo uso ou pela indicação de materiais e medicamentos devem ser punidos exemplarmente.

Se quisermos mesmo servir, se desejarmos nos aproximar da bela resposta de milhares, milhões de pessoas à tragédia que matou jovens jogadores de futebol, temos de ser mais verdadeiros e, portanto, mais responsáveis. Só assim deixaremos de ser a “máfia de branco”.

Vivemos numa sociedade corrupta que transfere multas de trânsito para o nome do manobrista do estacionamento oi da avó falecida. Uma sociedade que vai ao médico, solicita e ontem dois recibos, um no nome do paciente verídico e outro no de um parente próximo, para ter maior restituição no valor da consulta. Isso já não causa espanto. Recusar um atestado médico a um sobrinho ou ao filho do melhor amigo que não teve tempo para estudar para a prova agendada pode desencadear um problema familiar ou uma amizade eterna. Tudo mostra que talvez só mesmo uma Lava-Jato para mudar nossos costumes *Bem-Hur Ferraz Neto é cirurgião de fígado e aparelho digestivo, livre-docente pela USP e Honorary Consultant Surgeon da Universidade de Birminghan, na Inglaterra. Observação de O Grande Jornal. Como o artigo do médico é de relevância pública e nem todos têm acesso a edição da Revista Impressa de Veja, da qual o conteúdo foi veiculado e apenas os leitores, como o redator deste, que sempre é presenteado por uma amiga com cada circulação semanal, resolvemos r o texto na íntegra para que seja de conhecimento de todos.

Fonte: https://ograndejornal.com/pane-seca-na-medicina/

 

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