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Artigo

Pirataria Moderna
21/06/2019 Não informado

Na noite de 20 de dezembro de 1995, um avião da American Airlines bateu em uma montanha enquanto tentava aterrissar no aeroporto de Cali, na Colômbia. 159 pessoas morreram, mas quatro passageiros sobreviveram. Horas depois, quando os restos ainda estavam fumegantes, vários grupos de ladrões chegaram ao local do acidente antes das equipes de resgate. Equipados com ferramentas especializadas, os saqueadores retiraram a maior parte dos instrumentos de aviação da cabine, peças do motor e outros componentes da aeronave, um Boeing 757. Em apenas um dia, transportaram as peças a bordo de helicópteros. Segundo o jornalista britânico Tim Phillips, autor de um livro sobre os perigos das falsificações (Knock­off: The Deadly Trade in Counterfeit Goods; London & Sterling), as peças, cuja lista preenchia 14 páginas, tal sua quantidade, foram parar em Miami para venda. As autoridades tornaram públicas as listas e os números de série. Nunca apareceram. Provavelmente foram parar em outros modelos 757 como peças de reposição.

POR 2 MAY 2015

As peças de avião de origem desconhecida são denominadas “peças suspeitas e não aprovadas – em inglês, suspected unapproved parts, SUP –. Existem aquelas que são seguras, ainda que sua documentação tenha sido perdida. “Podem ser reutilizadas se cumprirem os requisitos que verifiquem seu funcionamento”, explica Mike Rioux, um especialista em aviação da empresa JDA Aviation Technology Solutions, baseada em Bethesda (EUA). “Se alguém rouba as peças em um acidente e as coloca no mercado negro com documentação falsa, é outra história”. A simples ideia de voar em um avião no qual estão peças roubadas de uma catástrofe aérea aterroriza. Ken Gardner é um inspetor e especialista aposentado da Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA, na sigla em inglês). Ele se dedica, junto com seu colega Tom Martin, a dar cursos para reconhecer essas peças. Conta que na Operação Tempestade do Deserto existiram casos de pessoas que roubaram peças de vários Boeing 747 acidentados para vendê-las no mercado negro. As autoridades realizaram prisões em Chicago e Honolulu.

2,5 milhões de postos de trabalho foram destruídos pelo mercado negro de falsificações nos países do G20, segundo estimativas da Câmara Internacional de Comércio / Ted Aljibe (Getty)

Voar é a maneira mais confiável de viajar na atualidade. Mas até que ponto essas peças contaminam a aviação comercial e que papel desempenham nos acidentes? A FAA determinou que entre 1973 e 1993 elas estiveram envolvidas em 166 acidentes, alguns dos quais aconteceram durante voos comercias que provocaram seis mortes. Em 1989, um Convair se desintegrou a 22.000 pés de altura sobre o mar do Norte. 55 passageiros morreram. Os investigadores noruegueses encontraram arruelas e parafusos falsos na cauda do avião. Segundo a Coalizão Internacional contra as Falsificações (IACC, em inglês), foram encontradas peças falsas até mesmo no avião presidencial Air Force One. Um relatório do Senado norte-americano feito entre 2009 e 2010 encontrou transistores falsos nos sistemas de visão noturna dos helicópteros Seahawk e até mesmo em sistemas de defesa de mísseis. Dois anos depois se estimou que o número de peças falsas ou suspeitas nas aeronaves da Força Aérea norte-americana superava um milhão de unidades. Ken Gardner aposentou-se em 2009 como especialista em aviação civil. “Os casos de peças falsificadas ou suspeitas apareciam entre 6% e 7% dos relatórios”, afirma hoje. Dois anos antes de sua aposentadoria, a Câmara Internacional de Comércio mencionou em seu relatório quadrilhas russas que roubavam os componentes de uma fábrica na Rússia central para produzir e distribuir peças de aviões de passageiros como o Tupolev-154 e outras aeronaves de carga. E por que essas peças suspeitas são instaladas? Por dinheiro, é a resposta de Tom Martin. Alguns dos contrabandistas interrogados pelo acidente da Colômbia em 1995 responderam que a venda desses componentes era mais lucrativa do que as drogas. Empresas e fabricantes competem em um mercado feroz que possui mais de 100.000 aeronaves por dia sulcando os céus. Um avião comercial em terra à espera de uma peça de substituição deixa de render dezenas de milhares de euros por dia. Nenhum responsável quer uma só peça falsificada em uma aeronave, mas o mercado implacável propicia a entrada de falsificações baratas através de estações de reparo ou fornecedores externos sem escrúpulos. Os mecânicos não recebem o treinamento adequado para descobri-las, afirma Daryl Guberman, consultor de qualidade da Guberman PMC LLC, em Connecticut. “Há muita pressa. E o dólar é sempre a justificativa”. Esse é somente o tentáculo de um monstro entre centenas: o crime global das falsificações. Mónica Dopico Martínez é inspetora-chefe da seção de crimes contra a propriedade intelectual e industrial da Polícia Nacional Espanhola. Assim que começa a falar em seu gabinete, levanta e mostra seu museu particular: um pacote de cigarros Marlboro impossível de se distinguir de um autêntico; um mini iPhone falso que foi lançado por conta de um falso rumor da Apple; material tático anticorte falso em luvas da polícia ou do Exército que rasgam com facilidade. “Hoje em dia falsifica-se praticamente de tudo”, diz a inspetora. “Por trás está o crime organizado. Não existe outra forma de explicar isso. A Internet facilitou o mercado, a globalização e o desaparecimento das fronteiras comerciais. Viramos seus clientes. E seu mostruário é quase infinito. Cem milhões de réplicas do famoso rifle de ataque AK-47 circulam pelo mundo. Por ano são fumados centenas de milhões de cigarros falsos que contêm fezes, moscas mortas e até ovos de insetos. Bebidas alcoólicas tóxicas, transistores, microchips, shampoos, cosméticos, perfumes, pastas de dente, leite em pó para bebês, detergentes, airbags, todo tipo de artefatos eletrônicos, pastilhas de freios para carros feitas de serragem, antibióticos, remédios contra o câncer, remédios contra febre, remédios cardiovasculares, cópias pirateadas de filmes, músicas e livros... E, é claro, todo tipo de roupas e acessórios de luxo. Rios de falsificações inundam o planeta. É impossível quantificá-las.

10% dos medicamentos consumidos nos países em desenvolvimento são falsos, segundo a OMS. Foram encontradas, inclusive, vacinas contra a meningite que,  na realidade, era água de torneira

O prejuízo que ocasionam à economia mundial é gigantesco. As cifras são puramente estimativas. Segundo a Câmara Internacional de Comércio, esse mercado negro destruiu 2,5 milhões de postos de trabalho diretos nos países do G20. Há quatro anos, o mesmo organismo projetava para 2015 um movimento global de falsificações –englobando o consumo doméstico e a exportação internacional– cujo valor total poderia alcançar 1,6 trilhão de euros (cerca de 5,35 trilhões de reais). A Interpol considera crime digital a exploração de qualquer cópia ilegal distribuída na Rede e conteúdos pirateados na Internet (livros, música, filmes ou videogames). Na Espanha, só esse tipo de pirataria ocasionou 1,7 bilhão de euros de perdas em 2014, e se não existisse teriam sido criados mais de 29.000 empregos no ano passado, segundo o Observatório da Pirataria. Atrás dos números se escondem centenas de milhares de vítimas sem nome. A compra de um artigo falsificado contribui para financiar o crime organizado, afirma Michael Ellis, diretor da Unidade de Falsificações e Tráfico de Substâncias Ilícitas da Interpol. “No momento da compra, os consumidores não costumam ser conscientes sobre aonde vai parar seu dinheiro. Costuma financiar grupos organizados responsáveis pelo tráfico de pessoas, drogas e lavagem de dinheiro”. Muitos imigrantes africanos que vendem qualquer produto falsificado em países mediterrâneos tentam pagar a dívida que contraíram com as máfias que traficaram com eles para levá-los à Europa. “Eles têm de encontrar uma forma de pagar a essas organizações criminais que os trouxeram”, afirma Ellis. “Lembro-me de um caso em que duas garotas jovens da Eritréia foram traficadas para o sul da Europa. Durante o dia, as garotas ficavam confinadas em quartos pequenos para fabricar CDs e DVDs, fechadas em apartamentos cujo aluguel era pago por um grupo de crime organizado. À noite, eram forçadas a se prostituírem. Onde o consumidor vê um CD barato, ele não se dá conta de que por trás disso há pessoas que foram traficadas como escravos ou foram forçadas a entrar no mercado sexual”. É desatinado supor que uma pessoa que baixa um conteúdo ilegal ou que compra um DVD pirata também contribui para financiar o crime organizado? Para a inspetora Dopico “é muito claro”. E acrescenta: “Muita gente talvez não saiba, mas é verdade que todos sabem que estão fazendo uma atividade que não é lícita. 99% das pessoas que compram um produto falso sabem que é falso”.

540.000 celulares falsificados foram apreendidos em 2013 pelas alfândegas argentinas. Na imagem, loja falsa de Apple na China. / Aly Song (Reuters)

Em 2013, a organização Digital Citizens Alliance estimou em 227 milhões de euros os lucros tários de 596 páginas Web de downloads ilegais. A Rede é a fonte do que se vende ilegalmente em formato físico. Tim Phillips aponta em sua obra uma surpreendente relação entre o IRA e a pirataria. Em 1995, os Estúdios Disney lançaram o vídeo de seu clássico O Rei Leão, do qual foi feito um milhão de cópias ilegais. A própria companhia descobriu que o fornecedor principal dessas cópias era o IRA. Posteriormente a polícia descobriu que os grupos paramilitares associados da Irlanda do Norte obtinham a parcela principal de seus ganhos com cópias ilegais de música, software e filmes. A relação entre organizações terroristas e o negócio das falsificações começou no fim do século passado. Hoje se consolidou. Zachary A. Pollinger, economista do Harvard College, em Massachusetts, que agora trabalha para uma empresa privada em Nova York, investigou essa evolução. Em 1993, o FBI obteve evidências de que os terroristas que colocaram uma bomba nas Torres Gêmeas se financiaram com a venda de roupas falsas em uma loja da Broadway. Três anos mais tarde, as autoridades confiscaram 100.000 artigos que seriam vendidos nos Jogos Olímpicos e descobriram que por trás estava a organização do clérigo cego Sheik Omar Abdel Rahman, condenado a 240 anos de prisão por terrorismo. Em 2004, a Interpol interceptou milhares de pastilhas de freios falsificadas na Alemanha, no valor de mais de um milhão de euros, e os investigadores descobriram que os lucros foram para o Hezbollah –considerado grupo terrorista pelos Estados Unidos e pela União Europeia. A Interpol também revelou que os separatistas chechenos, implicados em atentados terroristas, financiaram-se com a venda de CDs ilegais. A lista é longa. Encontraram-se conexões entre a venda de perfumes falsos e o financiamento do terrorismo islamista da Al Qaeda. E o próprio chefe da polícia de Nova York, Raymond Kelly, afirmou em público que os terroristas da matança da estação de Atocha, em Madri, realizada em 11 de março de 2004, foram em parte financiados com a venda de CDs ilegais.

Entre 2003 e 2007, Martin Hickman vendeu comprimidos falsos de Viagra por um valor superior a 9 milhões de euros, em 150 sites diferentes

O economista Pollinger enfrentou o problema procurando uma relação matemática entre os artigos falsos confiscados em alfândegas e a frequência dos atentados. Em 2008 escreveu no The Michigan Journal of Business que matematicamente não se podia provar uma relação direta entre a indústria da falsificação e o financiamento de atos terroristas. Faltavam mais dados. Nas alfândegas é confiscada uma porcentagem relativamente pequena das falsificações. Pollinger sugeriu então examinar caso por caso. “Não sabemos até que ponto os terroristas obtêm seus ganhos das falsificações para financiar essas operações, dada a falta de informação sobre essa indústria ilícita”, explica agora o especialista por e-mail. “Mas também é verdade que esse negócio surgiu recentemente como fonte potencial de financiamento para os grupos terroristas, pois eles têm de buscar maneiras de se bancar”. Os terroristas e os falsificadores têm muitas habilidades em comum. São especialistas em transportar pessoas e material de forma ilegal através das fronteiras. Essas habilidades “são necessárias para fazer funcionar uma organização criminosa como um grupo terrorista, por isso encaixaria aqui a indústria da falsificação”, diz Pollinger. A linha imprecisa que une a ambos está clareando. Pollinger menciona uma pesquisa ainda não da que reúne mais conexões: confiscos em uma loja de Manhattan na qual foi encontrada uma maleta com relógios falsificados e manuais para operar o Boeing 767 com anotações em árabe escritas à mão; outro confisco, em uma loja, de plantas de pontes e túneis de Nova York, cujos proprietários apareceram em uma lista de suspeitos de terrorismo encontrada em um apartamento no Líbano, e outra conexão achada entre os comerciantes de uma loja de roupas falsas e a organização terrorista Jamaat ul Fuqra. Sobre esse tipo de vínculo, o diretor da Unidade de Falsificações e Tráfico de Substâncias Ilícitas da Interpol, Michael Ellis, cita o caso do argelino Mojtar Belmojtar, um “terrorista e contrabandista” de histórico sangrento e comprometido no contrabando de tabaco falso; por isso conhecido pelo apelido de Mister Marlboro. Belmojtar fundou o Grupo Salafista para a Pregação e o Combate, que derivaria mais tarde na Al Qaeda no Magreb. Ele está por trás do sequestro de vários ocidentais na região, além de ser considerado responsável pelo ataque a uma instalação petrolífera na Argélia, em 2013, que provocou dezenas de mortes.

12.000 pessoas morreram na Rússia em 2010 por ingerir bebidas alcoólicas falsificadas contendo anticongelante, metanol e álcool isopropílico, que comprometem os rins, provocam cegueira e podem levar ao coma. / China Daily (Reuters)

De volta ao escritório da inspetora-chefe Dopico, ela remexe em sua vitrine de falsificações. Pega uma caixa de Malegra, potencializador sexual ilegal fabricado na Índia para ser distribuído na Europa por meio de uma rede de contatos cujo epicentro ficava em uma loja de esportes na Bélgica. Fala também da Kamagra. Essas versões baratas do Viagra –o medicamento mais falsificado do mundo– são vendidas sem receita, não possuem nenhuma garantia de qualidade nem segurança. Basta digitar qualquer um desses nomes. A Rede cospe uma montanha de ofertas. “Muitos compram para economizar dinheiro, ou porque têm vergonha, não querem ir a uma farmácia e são capazes de tomar qualquer porcaria”, explica Dopico. Como é possível prever, seus efeitos são muito perigosos para a saúde. Há algo em torno de 800 medicamentos falsificados no mundo a partir de marcas genuínas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 10% dos remédios que circulam pelos países em desenvolvimento são falsificações. Foram encontradas vacinas contra a meningite que consistiam em água de torneira e pílulas anticoncepcionais de farinha de trigo; o gigante farmacêutico Novartis investigou comprimidos falsos idênticas aos verdadeiros que continham ácido bórico, cera para pisos e restos do tipo de pintura usada em estradas. Essas falsificações às vezes infectam os sistemas de saúde de países como o Reino Unido. A Interpol afirma em seu último relatório que mais de 900.000 doses de remédios falsificados com apenas 60% do princípio ativo penetraram nas farmácias britânicas e foram consumidas por pacientes que sofriam de psicose, câncer de próstata e problemas cardíacos. A investigação terminou com a prisão de um cidadão britânico, Peter Gillespie, condenado a oito anos de detenção há quatro anos. Durante a Operação Pangea, em curso desde 2008, a polícia de 10 países confiscou mais de 18 milhões de medicamentos falsos e fechou 45.000 páginas Web supostamente relacionadas com a venda deles. Um responsável pela Unidade Técnica da Polícia Judicial da Guarda Civil detalha as cifras de prisões no ano passado na Espanha: 11 pessoas e mais de 419.000 comprimidos falsificados, “a maioria dedicada a melhorar a saúde sexual, como Viagra ou Sildenafil, para o tratamento da anorexia ou para emagrecer”.

Potes de Viagra falsificado. / Lucas Jackson (Reuters)

A inspetora Dopico não conhece casos de mortes por medicamentos falsificados na Espanha, “embora isso não possa ser descartado”. Seus colegas norte-americanos lhe contaram que em algumas fábricas clandestinas de Viagra foram encontrados raticidas. Onde estão as vítimas? Tim Phillips destaca o caso de Timothy Fagan, um adolescente nova-iorquino que se submeteu em 2002 a um transplante de fígado e que se medicava com Epogen, um remédio para estimular a produção de glóbulos vermelhos. O rapaz o havia adquirido em uma farmácia da cadeia CVS, mas o medicamento resultou ser falso, já que continha uma pequena porcentagem do princípio ativo. O adolescente não melhorava com o tratamento, até que seu farmacêutico o alertou de um aviso emitido pelas autoridades de saúde sobre os lotes falsificados. E pôde corrigir a tempo. Em um documentário do diretor Geoff D’Eon é contada a história de Marcia Bergeron, uma moradora da ilha de Quadra, na costa oriental de Vancouver, no Canadá. Bergeron foi achada morta na cama no Natal de 2006. Pouco antes de morrer, a mulher tinha começado a perder cabelos e a ter visão imprecisa. Os investigadores encontraram várias pílulas e medicamentos que a vítima tinha comprado em uma página Web de uma farmácia canadense. Mas a página era falsa. Fora criada por estelionatários da Europa do Leste. A pele do cadáver de Bergeron adquiriu um tom arroxeado e esverdeado. Os legistas concluíram que os remédios que havia ingerido continham quantidades perigosas de metais como estrôncio, alumínio e urânio, entre outros. Esses metais tinham sido usados como material de preenchimento das pílulas e, de acordo com as investigações, procediam de uma fábrica ilegal localizada perto de um complexo de mineração na Índia. A mulher tinha se envenenado sem saber, até que foi tarde demais. A evolução dos estelionatários é cada vez mais sofisticada e suas criações alcançam também aos países desenvolvidos. Mas os remédios falsos matam muita gente há décadas em outros lugares do mundo sem que isso desperte a atenção internacional. Um anticongelante para veículos matou, em 1995, 89 crianças no Haiti: essa substância tóxica fazia parte de um xarope falsificado para a tosse. Em 1999, 30 pessoas morreram no Camboja por causa de um medicamento alterado contra a malária; cinco anos mais tarde, o Governo cambojano descobriu que um de cada cinco remédios contra o paludismo era falso, já que não continha as quantidades suficientes de artesunato, ingrediente essencial para lutar contra o parasita. Durante décadas, o Camboja e a Tailândia foram inundados por esse tipo de remédios falsos com baixas quantidades de artesunato para o paludismo, o que fez dos dois países campos de experimentação para aumentar a resistência do parasita –o que acaba diminuindo a eficácia do fármaco original. Mas os remédios falsos se estendem também por outras regiões pobres do planeta onde centenas de milhares de pessoas morrem de malária a cada ano. A OMS calcula que na Nigéria e em Angola cerca de 70% dos fármacos vendidos poderiam ser falsificações, de acordo com um documento do Conselho Geral de Colégios Oficiais de Farmacêuticos.

1 milhão de peças e componentes eletrônicos infectaram os fornecedores de componentes do sistema de defesa dos EUA entre 2009 e 2010

Esses medicamentos-fake são considerados como o monstro maior de todas as falsificações. Para Tim Phillips representam a face mais triste e perigosa. Quase ninguém compraria um remédio sabendo que é falso. “Isso me preocupa. As vítimas são gente pobre que não pode escolher”, afirma Phillips. “Sabemos que matam centenas de milhares de pessoas por ano, mas não quantos”. Estes fármacos contêm uma pequena porcentagem do ingrediente ativo. “Em casos como os antibióticos, as pessoas adquirem resistência, o que torna os genuínos menos efetivos”. Phillips se mostra crítico com a posição que os gigantes farmacêuticos adotam frequentemente diante do problema, sobre o qual não costumam se pronunciar ou guardam silêncio. A razão disso, explica o especialista, é que quando os laboratórios se referem às falsificações, a mensagem subjacente costuma ser “não comprem os medicamentos genéricos. E estes fármacos são perfeitamente válidos e muito importantes”.

 

Um mercado negro enormemente rentável. Em um artigo do World Policy Journal, a especialista Paula Park explica que um investimento de 1.000 dólares em matéria-prima para falsificar remédios pode render lucros entre 200.000 dólares para os mais baratos e 400.000 para os mais caros –em comparação, 1.000 dólares para comprar heroína e distribuí-la na rua se transformam em 20.000. O Instituto para a Segurança Farmacêutica (PSI, na sigla em inglês), financiado pelos grandes laboratórios, lança cifras globais –embora puramente estimativas– de um mercado de 69,5 bilhões de euros. Nesse mundo inundado de falsificações de todo tipo, por que somos tão bons clientes? Não nos importa comprar e jogar no lixo, responde Michael Ellis, da Interpol. “É um pouco a mentalidade do ‘quero agora’ que predomina nas gerações jovens. Compro algo e, se não funcionar, jogo fora. E a acessibilidade está aí”. A Internet é um maná para os grupos criminosos. Nem em seus melhores sonhos o teriam imaginado melhor. Facilita tudo. Basta digitar e pronto. Tim Phillips u sua pesquisa em 2004. Uma década já passou. “E tudo continua igual de ruim”, diz ele do outro lado da linha. Elogia o trabalho da polícia, mas o considera insuficiente. “O mundo mudou e não vai se libertar das falsificações”. O que acontece com os consumidores que compram sem pensar? “Muitos sabem que às vezes compram produtos falsos. Mas temos essa cultura há 20 ou 30 anos que diz que comprar coisas faz de você uma pessoa melhor. Não estou otimista”. FONTE: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/29/eps/1430308639_160122.html

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