Marca de roupas mostra que a mesma camisa pode ser usada por homens e mulheres (Foto: Fagner Damasceno/Sueka/Divulgação)
No entendimento da professora da faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Jane Felipe, que também é integrante do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero (GEERGE) da universidade, as marcas estão certas ao se alinharem às discussões impostas pela sociedade.
"Todas as empresas visam primordialmente o lucro e para isso têm que ficar atentas aos movimentos sociais. As marcas precisam entender que pessoas, independente do gênero, são consumidoras em potencial e é interessante acompanhar essas demandas", avalia a especialista no assunto.
Uma dessas marcas é a Sueka, lançada em 2015 no município de Lajeado, no Vale do Taquari, pelos sócios Rodrigo Kronbauer e Tainá Gross. Eles desenvolvem, principalmente, camisas e camisetas que podem ser usadas por quem quer que seja.
"Quando fomos lançar a marca, tivemos essa preocupação de analisar o futuro da moda. Uma das tendências e algo que a gente acredita são produtos pensando em modelagem e processo de produção sem gênero. Algo que se adapta tanto para meninos quanto para meninas", explica.
Empresa de Lajeado aposta que roupas sem distinção de gênero são o futuro da moda (Foto: Tainá Gross/Sueka/Divulgação)
Toda a produção da empresa é focada em roupas que podem ser usadas por qualquer pessoa. Kronbauer relata que essa foi uma união das crenças e valores dele e da sócia, algo que vem dando resultado e já representou um aumento de aproximadamente 80% nas vendas de 2016 para 2017.
"Acreditamos que esse é o futuro da moda, que logo ali vai ser uma obrigação", diz.
Formada pelo casal de designers Pedro Benites e Livia Dall’Agnol, de Porto Alegre, a Matiz também seguiu um caminho parecido, criando uma marca de produtos infantis que não fazem distinção de gênero. Segundo Benites, a ideia deles foi que as crianças pudessem se expressar e se desenvolver sem barreiras.
"Entendemos que são fundamentais na formação das crianças essas descobertas, além de trabalhar a questão do gênero com força. Queremos trazer essa bandeira à tona mesmo", afirma.
Marca de Porto Alegre aposta na linha infantil que pode ser usada por meninos ou meninas (Foto: Matiz/Divulgação)
A empresa trabalha com um mix de cerca de 200 produtos que variam entre bodies, tapa fraldas, camisetas e calças para crianças de até dois anos. Para o sócio, o e-commerce, que são as vendas pelo site da própria marca, possibilitou que mais pessoas que se identificam com a proposta da empresa possam adquirir os produtos.
"Atingimos um público mais consciente com as questões de consumo, que quer saber o que está vestindo e o que está apoiando através das marcas que consome. Para nós isso é superbom, porque conseguimos chegar mais rápido que imaginávamos em um bom patamar", garante.
Mas nem só empresas novas no mercado resolveram investir nesse tipo de produto. A Melissa, que pertence ao grupo Grendene e foi lançada em 1979 em Farroupilha, na Serra do Rio Grande do Sul, também criou uma linha de calçados com numeração estendida, para que homens pudessem usá-los.
"Há algum tempo que temos uma demanda de homens para usar Melissa e não tínhamos numeração masculina dos nossos produtos. Então, há uns dois ou três anos, tivemos essa ideia ao entender que a moda está transcendo essa questão de gênero", afirma o diretor-executivo da empresa, Paulo Pedó.
Os produtos da Melissa que mais são vendidos para homens, segundo Pedó, são os flox e as sandálias de cores neutras, como preto, branco, nude e marrom. No entendimento do diretor-executivo da empresa, essa preocupação se deve a percepção de que o gênero não define a pessoa e muito menos os seus gostos.
"Foi uma atitude nossa muito positiva. Até porque a gente vê muitas mulheres comprarem produtos para elas e para os namorados. Se no passado existia um certo preconceito com isso, hoje foi superado", salienta.
Marca de calçados estendeu numeração para que homens também pudessem usar (Foto: Melissa/Divulgação)
A professora Jane Felipe discorda. Ela lamenta o fato de a sociedade brasileira ainda ser tão conservadora a ponto de não permitir moralmente que um indivíduo experimente algo atribuído a outro gênero.
"Se você pegar outros países é diferente. Em outras culturas pode ser diferente. Saias, batas, em muitos lugares homens usam normalmente", exemplifica.
A professora do curso de Moda da Unisinos Paula Visoná, especialista em comportamento do consumidor, lembra que até mesmo a calça quando começou a ser utilizada era um artigo exclusivamente de homens e, com o passar do tempo, foi incorporada ao vestuário feminino de forma natural.
"Essa discussão de moda e gênero não é algo de agora, mas nesse momento voltou à pauta. Num primeiro momento tem muita gente falando sobre isso, mas acredito que vai chegar um momento, não tão logo, que não será algo tão passível de discussão, que vai ser incorporado e homens vão voltar a usar saia naturalmente", pontua.
Outro exemplo é a também gaúcha Xalingo, que há 70 anos produz brinquedos e, desde 2004, passou a se preocupar em não conservar estereótipos, como ser engenheiro é coisa de menino e brincar de cozinha é coisa de menina.
"A gente recebia muitas solicitações de mães pedindo que os produtos fossem unissex. Muitos meninos gostam de brincar de casinha, de cozinha. Fomos amadurecendo a ideia e resolvemos trazer esses produtos mais neutros, sem detalhes ou cores que remetam a um gênero específico", recorda a gerente de marketing da empresa, Tamára Campos.
Brinquedos de cozinha voltados para meninos e meninas é sucesso de empresa gaúcha (Foto: Xalingo/Divulgação)
Outra alteração que vem sendo feita em toda a linha de produtos da marca se refere às embalagens, que em sua maioria trazem um menino e uma menina, sem estimular mais um ou outro gênero a usar aquele brinquedo. De acordo com Tamára, hoje 10% do faturamento da empresa, que foi de R$ 110 milhões em 2016, é proveniente da linha sem distinção de gênero.
"As indústrias têm que acompanhar o desenvolvimento da sociedade. Não existe profissão masculina ou feminina. As pessoas ainda confundem muito isso na hora de escolher brinquedo, mas na verdade eles servem é para estimular a criatividade das crianças e não definir suas preferências sexuais", elucida.
Ainda que as marcas e a sociedade discutam cada vez mais o tema, a avaliação de quem convive com esse debate diariamente é de que as aceitações culturais não serão assim tão rápidas.
"Precisamos de uma formação docente que dê conta e discuta os direitos humanos, que envolvem gênero e sexualidade, nas escolas. Só assim poderemos superar essa onda conservadora que existe no Brasil", conclui a especialista Jane Felipe.
Fonte: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/empresas-do-rs-apostam-em-produtos-sem-genero-e-especialista-aprova-atentas-aos-movimentos-sociais.ghtml