Artigo
Protagonismo Juvenil Nas Escolas
Quatro experiências de protagonismo juvenil em escolas públicas e particulares
Conheça iniciativas que estimulam e fortalecem a autonomia dos alunos, permitindo que eles sejam mais participativos
JULIANA FONTOURA , 19 DE OUTUBRO DE 2017 / 0
Em 2016, um ano após o primeiro movimento das ocupações de escolas em São Paulo, uma pesquisa realizada pelo portal Porvir revelou que os jovens gostariam de ter mais voz no ambiente em que estudam – muito diferente do difundido estereótipo do estudante desinteressado. Segundo o levantamento, que ouviu principalmente jovens da região sudeste (85,4%), 52% dos estudantes acreditam que não pode faltar participação nas decisões da escola.
Na maioria das instituições, porém, ainda é comum que o aluno só participe em questões pontuais como a organização de uma festa junina ou um evento esportivo. Visando dar bases para que essa realidade possa mudar, o portal Porvir lançou, em setembro deste ano, um guia sobre participação voltado a gestores e educadores.
Em algumas escolas, esse caminho para uma participação mais ativa dos alunos já vem sendo trilhado. A revista Educação conversou com quatro escolas (duas da rede privada e duas da rede pública) que vivenciam isso na prática. Seja com a simples criação de oportunidades para que os alunos desenvolvam seus próprios projetos, seja com um sistema totalmente democrático, são experiências que buscam estimular e fortalecer a autonomia dos alunos, tornando-os mais ativos e responsáveis no processo de aprendizagem. Veja abaixo:
1. Gestão democrática
Crianças participam do ateliê de ciências na Escola Politeia (Foto: Yván Dourado)
Na Politeia, escola privada de São Paulo (SP), todos os atores do ambiente escolar participam de assembleias regularmente. Eles têm a oportunidade de propor ideias e discutir sobre as regras de convivência do colégio – como, por exemplo, o uso da quadra ou dos computadores. A organização da rotina escolar também conta com a participação dos alunos, sendo feita em rodas de conversa que acontecem diariamente.
Diferente de uma escola tradicional, os alunos não são divididos por série, mas por ciclos. Chamados de ‘tutorias’, eles reúnem alunos de idades próximas. Mesmo com essa divisão, a interação entre alunos de idades diferentes é recorrente, já que é possível participar de grupos de estudos de acordo com os próprios interesses, sem restrição por faixa etária.
Cada grupo é formado a partir de propostas das crianças. “Uma vez, uma criança sugeriu o tema ‘o que acontece depois da morte’”, conta Yván Dourado, educador da Politeia e tutor de crianças de 8 a 10 anos. “O professor e os alunos trabalharam o que a ciência diz, as religiões, a ficção científica.”
Além dos grupos de estudos, os alunos ainda desenvolvem pesquisas individuais, também a partir daquilo que se interessam, e participam de ateliês, voltados ao desenvolvimento de cinco linguagens fundamentais: português, matemática, ciências, artes e corpo. Nos encontros com especialistas dessas cinco áreas, as crianças podem desenvolver mais repertório de possibilidades de estudo.
Os estudantes também integram comissões, que fazem com que eles participem de questões de organização da escola, se sentindo mais responsáveis pelo espaço. A comissão de biblioteca, por exemplo, fica responsável pela organização e compra de livros. Há ainda comissões de manutenção, de brinquedos, horta e reciclagem. A escola atende o ensino fundamental, mas pretende expandir para o ensino médio em 2018.
2. Formação política e representação
Alunos do Colégio São Luís assistem ao debate entre chapas concorrentes ao grêmio estudantil, atividade parte do projeto “Democracia e participação” (Foto: Divulgação/Colégio São Luís)
Mesmo escolas organizadas de maneira mais tradicional também podem buscar estimular o protagonismo dos estudantes e oferecer uma formação política mais consistente.
No também privado Colégio São Luís, de São Paulo (SP), por exemplo, foi criado o projeto “Democracia e participação”. Colocado em prática em 2017, surgiu da necessidade de criar um sistema de representação estudantil. Até então, a escola não tinha um grêmio estudantil, e, de maneira geral, os alunos sequer estavam familiarizados com essa possibilidade de representação.
A escola iniciou, então, um processo de formação política dos alunos, assim como a criação de um grêmio estudantil e de um conselho de representantes das turmas do 6º ano do ensino fundamental ao 3º do ensino médio.
Cada turma elegeu dois representantes – um menino e uma menina – que passaram a compor um conselho responsável por pensar e votar projetos nas assembleias, atuando como uma espécie de poder legislativo. O executivo, representado pelo grêmio, foi eleito numa votação da qual todos os alunos tiveram possibilidade de participar.
Os alunos que montaram chapas para concorrer ao grêmio participaram de encontros formativos e até de um workshop de marketing político. Antes da votação, também puderam participar de um debate que foi assistido por todos os alunos da escola.
Os eleitos – tanto do conselho quanto do grêmio – participaram de encontros de formação teórica sobre política, tendo contato com autores como Montesquieu, Maquiavel e Weber. O projeto, que foi iniciado no começo de 2017, culminou na posse dos eleitos em setembro. Agora, os alunos já começaram a fazer e votar propostas nas assembleias, que acontecem a cada 15 dias.
“Um dos projetos deles é de combate ao bullying. Eles vão consultar alunos e fazer vídeos para circular na TV interna. Estão fazendo também um vídeo voltado aos professores”, conta Rafael Araújo, educador da área de humanística do colégio e um dos responsáveis pelo projeto. Para o futuro, a escola pretende implementar as assembleias de classe no ensino fundamental 1, preparando os alunos para a participação na etapa seguinte.
3. Criação de projetos: rádio estudantil
Alunos do ensino médio criaram rádio na E.E. Professor Expedito Camargo Freire (Foto: Angélica Guimarães)
Na E.E. Professor Expedito Camargo Freire, de Campos do Jordão (SP), os alunos do ensino médio criaram uma rádio que funciona na hora do intervalo. A iniciativa surgiu da vontade de fazer algo diferente nos recreios, aumentando a interação entre os estudantes.
Apenas com um amplificador, um notebook e alguns microfones comprados pela professora Angélica Guimarães, que mediou o processo, os alunos criaram uma rádio que tem programação musical, batalhas de hip-hop, biografia de funcionários da escola e participação de convidados.
“Os alunos criaram os quadros da rádio de acordo com o perfil dos estudantes”, conta Angélica, coordenadora do projeto. Ela foi responsável por uma disciplina eletiva de comunicação, chamada “Está no ar”, onde o projeto surgiu. A escola é integral e os alunos podem escolher algumas matérias, além de participar de clubes.
Para Angélica, a eletiva atuou como facilitadora, e o suporte do professor é importante para que os alunos possam colocar suas ideias em prática. “Escola não se faz só com conteúdo, mas com interação. E a rádio é o diferencial deles.”
4. Atores da mudança: igualdade de gênero
Alunos da E.E. Abílio Manoel, de Bebedouro (SP), criaram clube HeForShe (ElesPorElas) | (Foto: Divulgação/Escola E.E. Abílio Manoel)
Na E.E. Abílio Manoel, de Bebedouro (SP), os alunos do ensino médio criaram o clube HeforShe (ElesPorElas), onde organizam ações em favor da igualdade de gênero. O HeForShe é uma campanha global da ONU Mulheres para que homens e meninos se engajem na luta pela igualdade de gênero.
Na Abílio Manoel, o projeto começou com a identificação, por parte dos alunos, de problemas de convivência – como, por exemplo, a difusão do pensamento de que ‘menina não pode jogar futebol’. Depois, evoluiu para um clube juvenil, do qual podem participar todos os alunos interessados.
No clube, os alunos se encontram semanalmente com o orientador Arthur Fachini, ativista que atua como voluntário na escola. Nesses encontros, os jovens participam de discussões e pensam em estratégias de conscientização. Uma das iniciativas dos alunos foi espalhar cartazes pela escola com frases que apontam para a importância da igualdade de gênero.
Além disso, os estudantes também passaram a levar as discussões para além dos encontros. Dos 23 participantes do clube no primeiro semestre deste ano, 17 firmaram compromisso para se tornarem embaixadores da campanha.
Segundo Andréa Thomé, diretora da escola, desde que a instituição passou a ser de ensino integral, em 2015, a participação dos alunos passou a ser mais incentivada. “No ensino integral, a base é o projeto de vida do aluno. E, para esse projeto se desenvolver, o aluno tem de ser protagonista”, afirma.
Com mais autonomia dos alunos, surgiu também a ideia de corresponsabilidade. “Eles gostam muito de autonomia para usar os espaços da escola, como a quadra e o laboratório, por exemplo. Mas, para isso, perceberam que têm de ficar responsáveis, e que isso não é fácil. É preciso ter planejamento, regras claras”, conta Andréa.
Nos clubes, os alunos também exercitam a escolha, se reunindo a partir de interesses comuns. Além do HeForShe, há vários outros clubes: entre eles, de culinária, esporte, música e teatro.