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Setembro Amarelo: O Adeus Na Terceira Idade
SETEMBRO AMARELO: O ADEUS NA TERCEIRA IDADE
A taxa de suicídio é maior em idosos com mais de 70 anos, mas pouco se fala sobre isso. Como prevenir esses números em tempos de pandemia?
24 SET 2020 | GERAÇÕES SEM IDADE
A campanha do Setembro Amarelo é dedicada a chamar a atenção sobre o suicídio, um fenômeno que atinge cerca de 12 mil pessoas ao ano só no Brasil e mais de 1 milhão no mundo todo. Desses números, a taxa entre a população idosa, acima de 70 anos, é um alerta vermelho negligenciado, embora corresponda ao maior índice de mortalidade.
#FicaEmCasa
A pandemia de coronavírus exigiu como recomendação de prevenção o isolamento social, sobretudo aos chamados grupos de riscos, cujas pessoas idosas estão inseridas. Essa realidade agravou sentimentos de solidão e ansiedade já muito conhecidos pelos idosos e isto requer uma preocupação ainda maior de toda a sociedade para as condições de bem-estar desta população.
Fonte: Relatório Ministério da Saúde, SIM – Brasil, 2011-2016
Idosos são mais determinados
De acordo com Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada suicídio consumado há cerca de 20 pessoas que tentaram tirar a própria vida.
Nos idosos, a proporção é de aproximadamente 2 tentativas para cada suicídio consumado.
Taxa por 100 mil habitantes, SIM - Brasil, 2011-2016
Fonte: Relatório Ministério da Saúde, SIM – Brasil, 2011-2016
Brasil solitário
São cerca de 1.200 pessoas acima de 60 anos morrendo em decorrência de suicídio
Fonte: mortalidade por suicídio em pessoas com 60 anos ou mais nos municípios brasileiro de 1996 a 2007, Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli, Escola Nacional de Saúde Pública.
Os primeiros sinais
Diversos fatores influenciam no comportamento suicida de pessoas na terceira idade. Ao chegar na velhice, elas costumam acumular não só tempo de vida, como também perdas de pessoas especiais, debilidades físicas, problemas de saúde e sentimentos vulneráveis.
Para os familiares, a identificação dos sintomas pode ser por meio de uma simples observação.
Cerca de 70% dos idosos que cometem suicídio são conhecidos por partilhar as suas ideações suicidas com um membro da família ou com outros indivíduos antes de cometerem o seu ato fatal.
O corpo fala o que a alma sente
Salo Buksman, coordenador da Câmara Técnica de Geriatria do Cremerj, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro, esclarece que a incapacidade de sentir prazer em atividades normalmente agradáveis (condição conhecida como anedonia) é um dos primeiros comportamentos dos idosos que enfrentam transtornos psicológicos.
“Eles começam perdendo o interesse em atividades cotidianas, tornam-se mais calados, evitam lugares e momentos de lazer, e até param de tomar os remédios por desacreditarem na sua utilidade”, explica Salo.
Covid-19 x Bem-estar
Medidas de isolamento social tornaram-se as principais orientações de prevenção ao coronavírus, sobretudo para a população idosa considerada o grupo de risco com maior taxa de mortalidade. Essa realidade, somada aos noticiários aterrorizantes sobre a fatalidade da doença, acentuaram sentimentos comuns às gerações mais velhas e, sobretudo, à população da terceira idade.
A psiquiatra e professora da Universidade Federal Fluminense, Cintia Andrade, ressalta que estudos já apontavam o isolamento social e a solidão como fatores de risco importantes para os idosos. No contexto de pandemia, esses aspectos tornaram-se ainda mais rigorosos, sendo necessário que essas pessoas ficassem afastadas até mesmo da própria família.
“A maior parte deles tem pouco acesso ou dificuldade em manejar aparelhos eletrônicos, dispositivos que vêm servindo para aliviar o isolamento de muitos de nós”, explica Andrade.
Somado a isso, as restrições da quarentena impossibilitaram a continuidade de atividades essenciais da rotina de cuidados da saúde de idosos, como exercícios físicos e acesso a tratamentos médicos.
“Os reflexos não são apenas devido à restrição de socialização e convivência familiar, mas também da limitação de atividades cotidianas. Há estudos sugerindo que o consequente empobrecimento de estímulos cognitivos, sensório-motores e sociais podem precipitar ou agravar quadros demenciais, transtornos de humor e aumentar o risco de suicídio”, pontua a especialista.
Driblando as regras com segurança
As recomendações de isolamento social e as orientações dos órgãos de saúde devem continuar sendo seguidas até que a vacina para a Covid-19 seja autorizada e distribuída para toda a população. No entanto, o geriatra Salo Buksman explica que, embora não haja um consenso médico, algumas atitudes podem ser tomadas de forma a minimizar os danos das pessoas idosas. São elas:
O papel da medicina interdisciplinar
As doenças mentais são vistas com um enorme tabu por grande parte da sociedade, característica ainda mais evidente na população idosa. Tanto para a equipe médica quanto para a família torna-se um imenso desafio romper com os estigmas a fim de promover um tratamento psicológico efetivo na preservação do bem-estar.
Nesse sentido, Buksman ressalta a importância de uma equipe interdisciplinar de atendimento e o poder de influência do incentivo familiar à manutenção dos cuidados.
“Todos os profissionais de saúde geriátrica devem se formar orientados para também conseguir abordar de maneira competente as questões psicológicas que atravessam o processo do envelhecimento e conseguir atuar de maneira a atender às demandas afetivas específicas de cada paciente”, ressalta o especialista.
É essencial para o envelhecimento saudável o apoio técnico que facilite a continuidade de atividades cotidianas para a autonomia do indivíduo e o sustento do papel social do idoso. A atuação de profissionais da saúde como fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais são complementares ao tratamento psicoterapêutico de pacientes mais velhos.
Para os casos em que a intervenção psicoterapêutica faz-se indispensável, a melhor abordagem é aquela que trata o assunto com naturalidade. O empoderamento do paciente idoso através do compartilhamento de informações vence resistências e melhora a adesão ao tratamento, inclusive medicamentoso, desmistificando o tabu.
Família: fonte de amor e prosperidade
O primeiro passo de apoio às pessoas mais velhas é o rompimento do pensamento comum de que o idoso é naturalmente alguém calado e triste.
A terceira idade deve ser considerada uma fase de dignidade e reconhecimento. Para isso, a família é imprescindível.
São os filhos, netos, sobrinhos e amigos que fazem da terceira idade uma fonte de vida e orgulho.
Procurando e oferecendo apoio
De acordo com dados do Ministério da Saúde, localidades que possuem Centros de Apoio Psicossocial (Caps), uma iniciativa do Sistema Único de Saúde, reduzem em até 14% o risco de suicídio. Portanto, procure os serviços disponíveis na sua cidade, peça orientações e fale abertamente sobre o assunto com todos ao redor.
Onde ir:
Unidades Básicas de Saúde (Saúde da Família, Postos e Centros de Saúde). UPA 24H, Samu 192, Pronto Socorro, Hospitais.
Centro de Valorização da Vida – 188 (ligação gratuita).
Diante da situação instaurada pela pandemia do coronavírus, a população idosa acabou sendo ainda mais sensibilizada. A divulgação dos índices de suicídio ocorridos neste período ainda pode demorar, mas as projeções já levam em conta a identificação dos fatores de risco acentuados.
As estatísticas de períodos históricos com características semelhantes indicam que pode haver um grande aumento da incidência de tentativas suicidas nos próximos meses e anos. Um exemplo disto é epidemia de síndrome respiratória aguda de 2003, que elevou em 30% o índice de suicídio entre os maiores de 65 anos em Hong Kong.
Por isso, é extremamente importante ampliar a discussão para que ela saia do espaços de pesquisas e chegue à sociedade. Assim será possível favorecer a diminuição do estigma e um acolhimento mais efetivo e empático ao idoso em sofrimento.
Redação e edição: Erika Zordan, Oscar Neto e Carolina Carvalho
Arte e ilustração: Daniel Frias, Raquel Souza e Clara Pontes
Imagem: iStock by Getty Images © - RainStar
Fonte: https://gente.globo.com/setembro-amarelo-o-adeus-na-terceira-idade/