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Artigo

SOBRE AS AVES E OS ADOLECENTES - Rubem Alves
22/04/2022 Priscila Germosgeschi


SOBRE AS AVES E OS ADOLECENTES

Rubem Alves


Se a Esfinge tivesse sido um pouco mais esperta e versada em mistérios que só seriam revelados séculos depois, em vez de propor a Édipo o enigma bobo que propôs, teria simplesmente perguntado: "O que é, o que é: mais misterioso que a Santíssima Trindade e mais doloroso que a cruz de Cristo?" Claro que Édipo não conseguiria resolver enigma tão terrível, a Esfinge ato contínuo o devoraria, o que nos teria poupado do complexo de Édipo e suas seqüelas psicanalíticas. Fosse o pai ou a mãe de um adolescente, a resposta sairia de um pulo: "é o meu filho, é o meu filho...”

Entretanto, mesmo sabendo que não é possível decifrar enigma tão obscuro, por pura compaixão dos pais desesperados, aceito o doloroso dever de revelar o que aprendi sobre o assunto.

Em primeiro lugar, é preciso não confundir as coisas, e saber que há dois tipos de adolescência.

O primeiro deles é uma doença benigna, parecida com sarampo: a "adolescência etária". Trata-se de um período da vida que vai, grosso modo, dos 13 aos 19 anos. Esse tipo de adolescência existiu sempre, todos passamos por ela,

é um fenômeno individual, normalmente se cura por si mesmo, e raramente deixa seqüelas. Caracteriza-se por transformações físicas e psicológicas. A voz se altera, aparecem os pêlos nos devidos lugares, desenvolvem-se os órgãos sexuais, e os piões e as bonecas são trocados por brinquedos mais interessantes.

Em segundo lugar há uma outra adolescência, que mais se parece com a varíola pela gravidade dos sintomas: é a "adolescência otária", a única que me interessa. Trata-se de um fenômeno cultural moderno, de natureza essencialmente coletiva e caracterizado por uma perturbação nas faculdades do pensamento, perda do contato com a realidade, aluci­nações psicóticas, que não raro assumem a forma de zombaria social, como é o caso das pichações de muros e monumentos, até os rachas em alta velocidade que, freqüentemente, terminam em velórios.

A psicologia behaviorista, iniciada por Pavlov e desenvolvida por Skinner, deu uma inestimável contribuição ao estudo do comportamento humano, mostrando que é possível entender o homem pelo estudo dos animais. Cães, cobaias e ratos foram e são amplamente usados para tal fim. Ao que me consta, entretanto, nenhum animal foi encontrado que se prestasse ao estudo da adolescência, o que explica a pobreza dos nossos conhecimentos nesta área.

Por muitos anos tive escrúpulos de tornar pública minha descober­ta revolucionária. Lembrava-me de Darwin, que foi cruelmente persegui­do e ridicularizado por haver revelado nosso parentesco com os símios. Temi sofrer retaliações se revelasse que o enigma dos adolescentes pode ser decifrado se estudarmos o comportamento social e psicológico das maritacas...

Sim, as maritacas... Mesmo sob exame superficial, as semelhanças saltam aos olhos.

Para começar, andam sempre em bandos, maritacas e adolescentes. Uma maritaca solitária e um adolescente solitário são aberrações da natureza. Daí o horror que os adolescentes têm da casa: na casa eles estão separados do bando. Havendo cortado o cordão umbilical que os ligava aos pais, eles o substituíram por um outro cordão umbilical, o fio do telefone, pelo qual eles se mantêm permanentemente ligados uns aos outros. Eles não conseguem ficar sozinhos, porque sentem muito frio.

Depois, são todas iguais, as maritacas. E também os adolescentes. Você já viu uma adolescente se vestir diferente das outras para a festa? Os tênis têm de ser da mesma marca. Os jeans, da mesma grife. A Pachá é um templo onde os adolescentes celebram suas igualdades.

Sabiás não padecem de crise de identidade. São aves solitárias e por isso cantam bonito de fazer chorar. Quando eles cantam todo mundo se cala e escuta. As maritacas são o oposto. Gritam todas ao mesmo tempo. Deus o livre (não me livrou) de assentar-se próxino a uma mesa de adolescentes, no Pizza Hut ... Dizem sempre a mesma coisa, dizem sempre igual, dizem sem parar. Mas eles nem ligam. Porque ninguém escuta mesmo.

E, finalmente, maritacas e adolescentes não se importam com a direção em que estão indo. Importam-se, sim, com o "agito" enquanto vão.

Mas não terminou. Em ocasião futura farei revelações ainda mais espantosas. Espero que você tenha percebido que a essência do que estou dizendo se resume nisto: em situações quando chorar é inútil, só nos resta dar risada. Isso, é claro, até que haja cacos a serem catados...

 

Fonte: https://psicod.org/sobre-as-aves-e-os-adolecentes.html

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