Artigo
Tecnologia Pode Afetar A Memória
Como a tecnologia está destruindo a sua memória
A tecnologia muda a maneira em que vivemos no nosso dia a dia, como aprendemos, e a maneira em que usamos a nossa capacidade de atenção
Por Carolyn Gregoireaccess_time16 abr 2014, 20h57more_horiz
Mesa de trabalho: é difícil exagerar as implicações de memória de trabalho fraca no funcionamento do nosso cérebro e no nosso nível geral de inteligência (Fábio Heizenreder/EXAME.com/)
Pare um pouquinho e tente lembrar-se da última vez que você decorou o número de telefone de alguém.
Será que já faz muito tempo, talvez em 2001? E qual foi a última vez que esteve em um jantar ou conversando com os amigos e pegou o seu smartphone para achar no Google a resposta à pergunta de alguém? Provavelmente na semana passada.
A tecnologia muda a maneira em que vivemos no nosso dia a dia, como aprendemos, e a maneira em que usamos a nossa capacidade de atenção – e um volume crescente de pesquisas sugere que ela possivelmente afete profundamente a nossa memória (principalmente a memória de curto prazo ou memória de trabalho), alterando-a e em alguns casos e até prejudicando suas funções.
É difícil exagerar as implicações de uma memória de trabalho fraca no funcionamento do nosso cérebro e no nosso nível geral de inteligência.
“A profundidade da nossa inteligência depende na nossa habilidade em transferir informações da nossa memória de trabalho, um tipo de bloco de notas do nosso consciente, para a memória de longo-prazo, que é o sistema de arquivamento do mente” escreveu Nicholas Carr, autor do livro The Shallows: What The Internet Is Doing To Our Brains, na revista Wired em 2010.
“Quando fatos e experiências entram na nossa memória de longo-prazo, somos capazes de tecê-los numa trama de ideias complexas que enriquecem o nosso pensamento”.
Enquanto a nossa memória de longo prazo tem uma capacidade praticamente ilimitada, a memória de curto-prazo tem espaço de armazenamento limitado e essa capacidade é muito frágil.
“Uma quebra na nossa atenção pode apagar o seu conteúdo da nossa mente”, explica Carr.
Novas pesquisas também revelaram que tirar fotos – uma prática cada vez comum na nossa cultura obcecada pelo smartphone – acaba prejudicando a nossa habilidade de lembrar aquilo que estamos capturando com a câmera.
Você está preocupado com a perda de memória prematura? Provavelmente deveria estar. A seguir relacionamos cinco coisas que você deve saber sobre como a tecnologia está afetando a sua memória.
A sobrecarga de informação dificulta a retenção de informação.
(3oheme / Flickr)
Até uma única sessão de uso da Internet pode dificultar o armazenamento de informação na sua memória, diz Erik Fransén, professor de ciência da computação no KTH Royal Institute of Technology da Suécia.
E ainda de acordo com Tony Schwartz, especialista em produtividade e autor do livro The Way We’re Working Isn’t Working, a maioria de nós não consegue administrar de forma eficaz a sobrecarga de informação com que somos bombardeados constantemente.
Quando a memória de trabalho está com sobrecarga digital, é como um copo de água transbordando. Schwartz explicou o fenômeno em uma entrevista ao The Huffington Post em Junho:
“É como um copo em que se derrama água continuamente o dia inteiro, então o que estava ali na parte de cima acaba derramando à medida que mais água é derramada no copo. Estamos constantemente perdendo a informação que acabou de entrar – pois estamos constantemente substituindo-a e não há espaço para guardar o que já estava dentro. O resultado é uma experiência muito superficial; você só tem o que está na sua mente naquele momento. E é difícil as pessoas metabolizarem e entenderem a informação porque há tanta coisa vindo em sua direção e isso é muito atraente. Você acaba sentindo-se sobrecarregado porque o que você tem é uma quantidade infinita de fatos sem uma maneira de conectá-los em uma história que faça sentido.”
A Internet está se tornando um “HD externo” do cérebro.
Pesquisas mostram que quando sabemos que um dispositivo ou ferramenta digital irá lembrar alguma informação para nós, estamos menos propensos a lembrar dela nós mesmos.
Um artigo recente da revista Scientific American descreveu a Internet como uma espécie de “HD externo do cérebro”, explicando que o aspecto social da lembrança tem sido substituída por novas ferramentas digitais.
A lembrança é, historicamente, um processo social – lembramos de certas coisas e as compartilhamos com os outros, e por outro lado, dependemos de outros para nos lembrarem das coisas que esquecemos.
De certa forma, delegamos tarefas mentais como a lembrança de fatos para outras pessoas do nosso convívio social, explica a Scientific American, mas agora podemos contar com a Internet para cumprir essa tarefa.
“A Internet muda tudo,” afirmou a Scientific American. “Com acesso online praticamente constante, muitas pessoas fazem uma busca primeiro no smartphone ao invés de ligar para um amigo”.
Clive Thompson, autor de Smarter Than You Think, explica que agora, ao invés de recorrermos à sabedoria da nossa tribo social, estamos usando ferramentas como o Google e o Evernote ao invés de “ligar para um amigo”, como fazíamos antes, quando precisamos de alguma informação.
“Estamos tratando essas ferramentas como amigos com memórias incríveis que geralmente estão ao nosso dispor”, Thompson escreveu em um artigo na Slate. “Nosso ‘binômio íntimo’ agora inclui um cérebro de silício”.
A distração dificulta a formação de memórias.
(Getty Images)
A atenção é um elemento chave para a formar memórias fortes. Sabe todas aquelas mensagens de texto e tweets que você mandou durante aquele filme ontem a noite?
Talvez você não consiga lembrar muitos detalhes quando um amigo te perguntar sobre o filme em alguns dias.
“O esquecimento… é um sinal de quão ocupados estamos,” disse Zaldy S. Tan, diretor da Clínica de Disfunções da Memória do Hospital Beth Israel Deaconess Medical Center, em entrevista à revista Seleções (Reader’s Digest).
“Quando não estamos prestando atenção, as memórias que formamos não são muito robustas, e temos problemas em acessar essas informações posteriormente”.
Em uma pesquisa realizada ano passado na MIT, foi identificado um circuito neural que ajuda o cérebro a criar memórias de longa duração, e esse circuito mostrou-se mais eficaz quando o cérebro está prestando atenção ativamenteàquilo que está olhando.
Vários estudos também descobriram que quando estudantes fazem várias outras coisas enquanto fazem a tarefa de casa, acabam entendendo e retendo menos informações.
A sobrecarga de informações nos impede de ver o todo (e depois os detalhes).
(Dreamstime.com)
O professor de física da Harvard John Edward Huth escreveu no New York Timesem Julho que a Internet talvez afete o nosso senso de significado mais do que percebemos.
Ele explicou que uma dependência excessiva na tecnologia tende a nos estimula a isolar informações sem encaixá-las em um esquema cognitivo mais amplo.
“Infelizmente, muitas vezes atomizamos a informação em pedaços que não se encaixam em uma estrutura conceitual maior”, escreveu Huth. “Quando isso acontece, nós relegamos o significado das informações aos guardiões do conhecimento e elas perdem o seu valor pessoal”.
Mas nós necessitamos dessa história mais ampla para nos ajudar a lembrar do detalhes menores. Muitas vezes precisamos desse contexto mais abrangente para fixar o detalhe na nossa mente.
Na psicologia, isso é conhecido como o paradoxo Baker-baker. O paradoxo recebeu o nome de um experimento em que os participantes foram colocados em dois grupos e mostrados a foto de um homem – um grupo recebeu a informação de que o sobrenome do homem era Baker, enquanto o outro grupo recebeu a informação de que ele era um ‘baker’, palavra em inglês que significa ‘padeiro’.
Depois de algum tempo, ao verem a imagem do homem novamente, pediu-se que tentassem lembrar da palavra associada à imagem.
O grupo que havia recebido a palavra com a ocupação do homem, teve mais facilidade em lembrar da palavra.
Tem tudo a ver com o poder do contexto: quando pensamos em um padeiro, outras imagens e o esboço de uma história vem à mente (aventais, cozinha, pão fresquinho), enquanto que o sobrenome Baker existe isoladamente, sem fazer parte de um contexto maior.
O que isso significa? Se você perde a visão do todo, dessa história mais ampla, é capaz de perder os pequenos detalhes também.
A memória dos millennials está rapidamente se degenerando.
Geração Z: eles olham para a geração Y como referência do que não fazer, segundo especialista (Getty Images)
Dados recentes mostram que os “momentos gagá” (quando a pessoa tem um branco, fica confusa) são cada vez mais comuns entre pessoas mais jovens, e acredita-se que são causados, pelo menos em parte, pela dependência excessiva na tecnologia.
Uma pesquisa de 2013 do Instituto Trending Machine revelou que os milenni (geração com idade entre 18 e 34 anos) estão mais propensos do que aqueles com mais de 55 anos a esquecer qual é o dia da semana (15 por cento x 7 por cento) e onde colocaram as chaves (14 por cento x 8 por cento).
A geração Y, outra denominação para os millennials, esquecem até de tomar banho (6 por cento) com mais frequência do que os idosos.
Os crescentes níveis de estresse (que também pode estar relacionados à constante conectividade) podem estar contribuindo para o fenômeno também.
“O estresse muitas vezes leva ao esquecimento, depressão e falta de discernimento”, Patricia Gutentag, terapeuta familiar e ocupacional, em uma coletiva de imprensa sobre a pesquisa.
“Encontramos índices mais altos de diagnósticos de TDAH em jovens adultos. Essa é uma população que cresceu fazendo múltiplas tarefas ao mesmo tempo usando a tecnologia, muitas vezes combinada com a falta de sono suficiente, que são fatores que resultam em altos níveis de esquecimento”.
Fonte: https://exame.abril.com.br/ciencia/como-a-tecnologia-esta-destruindo-a-sua-memoria/